Uma espécie de orçamento sombra, secreto, sem cabimento orçamental que se conheça, preparado na mais perfeita confidencialidade pelo Governo e que António Costa pretende aprovar no Conselho de Ministros de dia 21, como moeda de troca para a aprovação do OE22 pela oposição à Esquerda, sem o ter debatido com quem quer que seja.
Debaixo da mesa, serve-se o "Estatuto do Serviço Nacional de Saúde", documento que decorre da Lei de Bases da Saúde e que será apresentado sem que médicos, enfermeiros ou qualquer profissional ou interveniente no sector da saúde tenha sido tido ou achado, apesar de um "grupo informal" ter opinado, em claustro ou semianonimato, em forma de proposta. Em causa, também, o "Estatuto dos Profissionais da Cultura", após debate com as entidades representativas do sector que o Governo rompeu, inapelavelmente, sem que se conheçam os resultados finais de meses de reuniões de trabalho. Para adensar o menu, a "agenda do trabalho digno". Um Conselho de Ministros revelador para todo o país, uma originalidade negocial.
Eis as cartas fora do baralho, retiradas da cartola de António Costa no encontro de ontem com o grupo parlamentar do PS, neste processo de simulacro de conversações à esquerda do OE22, algo nunca visto em anos de negociação orçamental. Um Governo a negociar com PCP e com Bloco de Esquerda (?) um Orçamento do Estado que reconhece ter problemas e lacunas, atirando diplomas e medidas que, maioritariamente, preparou e concluiu no mais amplo secretismo e solidão, e sobre as quais se desconhece (nem se referenciam na proposta de OE22) dotação orçamental ou princípios básicos de formulação. Depois do grau de incumprimento do "Estatuto do Cuidador Informal", o alerta está dado: apenas 1% dos 30M orçamentados em OE20 foram executados, no OE21 apenas foram executados cerca de 700 mil euros (até Junho), sendo agora proposto um alargamento de 20M de euros. A inexistência. Agora pedem para confiar na execução do que se desconhece.
Enquanto se simula ou negoceia, vivemos um momento político onde eleições antecipadas não aproveitam a ninguém, senão à extrema-direita. Das eleições autárquicas sai o PS sem moral, o Bloco de Esquerda com os habituais resultados residuais em autarquias, o PCP com perdas graves. Aparece um PSD que, perdendo eleições, gasta o capital moral de alguma simbologia de vitória com crises internas e disputas pela liderança. Resulta um CDS que, viajando no "lugar do morto", vale 2% nas sondagens e está dividido a meio. PAN e IL, naturalmente, não se solidificaram em terreno autárquico. Com a actual liderança do PSD, mesmo Marcelo não quer eleições. O PS perdeu a soberba e parte do país. Mas António Costa não parece perceber.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 15 de outubro de 2021