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O oportuno tiro no pé

O tiro no pé de Passos Coelho pode e deve ser utilizado massivamente para demonstrar o que o "moderno, jovem e dinâmico" líder do PSD tem a propor ao país.

Olhando para o percurso de Passos Coelho desde a sua ascensão à liderança do PSD, parece que assistimos ao súbito aparecimento de uma espécie de Aquiles. Fruto do desgaste do seu principal adversário, Passos começou a afirmar-se como um concorrente quase impossível de bater dado o rumo dos acontecimentos. Uma boa gestão da componente de comunicação e a união conseguida no partido, aliadas a um estado de graça junto de opinion makerse a uma clara vontade de alternância na opinião pública, tornaram rapidamente o novo líder do PSD no primeiro-ministro que se segue. Conseguiu, portanto, o invejável estatuto de inevitabilidade.

Apenas um calcanhar é apontado a este Aquiles. É que a sua ideologia liberal diverge do posicionamento ideológico típico da maioria do eleitorado português. A importância dada a matérias como o livre funcionamento dos mercados e o inequívoco apoio ao recuo estatal em sectores como a educação ou a saúde serão sempre matérias sensíveis de transmitir à opinião pública e mesmo ao seu partido. O primeiro sinal de fragilidade neste sentido foi a reacção da actual direcção "social-democrata" ao veto do Governo à compra da Vivo pela Telefónica. Usando o fraco argumento de que o Estado não deve intervir nos mercados, Passos deu por si encostado ao posicionamento dos espanhóis, sendo incompreendido pela opinião pública, mas também pelo seu próprio partido. O novo líder esteve mal, mas o assunto foi ultrapassado com alguma celeridade pelo surgimento de outros temas na agenda.

Mas eis que surge então uma monumental escorregadela desta nova direcção do PSD. A proposta de revisão constitucional apresentada revelou-se um tremendo tiro no pé. Conseguiu reunir a esquerda - partidos, sindicatos, movimentos sociais - na crítica aos recuos do Estado Social, mas obteve também a oposição em quase uníssono dos constitucionalistas quanto às mudanças na duração de mandatos e nos poderes do Presidente da República. E Passos bem pode vir explicar que se trata apenas de uma proposta sujeita ainda a discussão. Bem pode emendar à pressa alguns aspectos. As ideias centrais sobre a mesma estão criadas. Se calhar pela primeira vez, esta nova direcção do PSD demonstra um tremendo amadorismo na gestão mediática de um dossier.

É sabido que em política não se ganha, perde-se. Por outras palavras, é sabido que ganham aqueles que menos erros cometem. Nesta perspectiva, o tremendo tiro no pé de Passos Coelho pode e deve ser utilizado massivamente para demonstrar o que o moderno, jovem e dinâmicolíder do PSD tem a propor ao país, detalhando preto no branco a mudança por ele preconizada. E apesar deste deslize de Passos estar a ser aproveitado pela actual direcção do PS com uma boa dose de hipocrisia, importa que este dossier ajude a clarificar o que separa a esquerda da direita nas presidenciais que se seguem. Importa que se sublinhe esta divisão ideológica, estas diferenças de projectos para o país, demonstrando bem aos portugueses o que está em jogo. O combate que ai se aproxima entre Alegre e Cavaco é perfeito neste sentido.

Sobre o/a autor(a)

Politólogo, autor do blogue Ativismo de Sofá
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