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O nervosismo do capital

A enorme campanha de propaganda e diabolização do Syriza apenas espelha o medo que o capital e os seus arautos têm da Democracia, quando esta não vai de encontro aos seus ditames e se assume como instrumento na defesa dos direitos dos povos.

A atual crise económico-financeira está a alterar o xadrez político do continente europeu. Anos após o início da barbárie da austeridade e da degradação dos direitos sociais, económicos e políticos dos povos europeus, em proveito do capital, assistimos à ascensão do Syriza, do Sinn Fein e do Podemos. O rotativismo que governou a Grécia, Irlanda e Espanha a favor dos interesses do capital durante décadas poderá estar a chegar ao fim.

A queda do Governo de coligação ND/PASOK, liderado por Antonis Samaras, na Grécia e a marcação de eleições legislativas antecipadas, a par da subida do Syriza nas várias sondagens de intenção de voto, colocando-se à frente do ND, amedrontaram os mercados e os arautos da austeridade e do neoliberalismo. O primeiros começaram a ficar “nervosos” e a fazer pressão sobre as várias bolsas europeias, os segundos a fazerem uma série de declarações com o objetivo de aterrorizarem e chantagearem o povo grego. Para estes a democracia é de preservar, mas apenas se não puser em causa os interesses do capital.

O FMI veio declarar que apenas desbloqueia a próxima tranche depois de se conhecerem os resultados eleitorais. A senhora Merkel veio afirmar que considera inevitável a saída da Grécia da zona euro caso o Syriza ganhe as eleições e forme governo. Jean-Claude Juncker disse que preferia ver caras conhecidas no novo governo e não forças radicais. François Hollande, o cavaleiro da capitulação da social-democracia aos ditames neoliberais, expressou que o povo grego é livre de decidir o seu destino mas que os compromissos gregos com a União Europeia devem ser respeitados e que não podem ser chantageados. Se uns ameaçam com a saída da Grécia do euro, outros apoiam os partidos do rotativismo e mais uns quantos defendem que o povo grego pode exercer a Democracia mas não inverter a via da austeridade, da expoliação que é o pagamento da dívida e da degradação dos seus direitos sociais, políticos e económicos. O medo de uma verdadeira alternativa às políticas de austeridade é transversal às várias declarações a favor da consolidação das contas públicas à custa das vidas e direitos dos povos europeus.

Mas o ataque ao Syriza não se limita ao povo grego, mas a todos os povos europeus. A propaganda já está a funcionar e há que isolar o fenómeno. Em Portugal, o arauto do “pragmatismo político”, António Martins da Cruz, já usou da palavra no programa “Política Mesmo” da TVI24 na passada quarta-feira, dia 6 de Janeiro. Martins da Cruz tem um vasto currículo na defesa dos interesses do capital em detrimento dos da Democracia e Direitos Humanos. Enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Durão Barroso foi um dos patrocinadores da invasão do Iraque, em 2003, com a Cimeira das Lajes e na função de embaixador foi um dos impulsionadores da adesão da Guiné-Equatorial, uma das ditaduras mais sanguinárias do continente africano, à CPLP. Transformou esta organização internacional de foro multilateral para o aprofundamento da amizade mútua e da cooperação entre os Estados lusófonos, e que tinha como princípios o respeito pelos Direitos Humanos e Democracia, numa plataforma para as negociatas mais nebulosas com forte preponderância dos negócios petrolíferos. Mas o ponto forte é o seu argumento em defesa da ingerência da Comissão Europeia e governantes europeus nos assuntos internos gregos.

Para Martins da Cruz a senhora Merkel, o senhor Hollande e o senhor Rajoy podem procurar condicionar as eleições gregas por a Grécia estar inserida numa união de 28 Estados-membros e as consequências num Estado terem ramificações nos restantes Estados-membros. Comparou ainda a presente situação com o exemplo de um governante francês se ingerir nas eleições na Córsega. Ora, o que Martins da Cruz não referiu, ou não quis referir, é que os Estados-membros abdicaram de parte da sua soberania ao aderirem à União Europeia, mas não à sua totalidade, e que as eleições se inserem precisamente na soberania de que os povos europeus não abdicaram e que devem exercer o seu direito de voto sem intimidações ou qualquer tipo de pressões. Devem poder escolher livremente os seus governantes. Comparar a ingerência francesa nas eleições da Córsega, que é parte integrante da França, à ingerência e terror praticado pela Comissão e governantes europeus nas eleições gregas é afirmar que a Grécia possui um estatuto de protetorado e que a democracia grega está submissa aos ditames de interesses superiores. Já sabíamos que o capital considera a Grécia como um protetorado, mas tamanha franqueza é reveladora. Expressou ainda que a ingerência é legítima tanto na Grécia como em Portugal e que os governantes europeus e a União Europeia possuem a legitimidade de se pronunciarem sobre o que querem para a Grécia, pressupondo que também a possuem para qualquer Estado que não vá ao encontro dos ditames dos Estados fortes da UE e do capital financeiro.

Esta enorme campanha de propaganda e diabolização do Syriza apenas espelha o medo que o capital e os seus arautos têm da Democracia, quando esta não vai de encontro aos seus ditames e se assume como instrumento na defesa dos direitos dos povos. Em vez de intimidar irá demonstrar que apenas lutando, apenas assumindo uma posição, podemos defender os nossos direitos, almejar uma vida melhor, outro tipo de sociedade.

A vitória do Syriza na Grécia não será apenas uma vitória contra a barbárie da austeridade e da expoliação da dívida, mas também em defesa da democracia, quer política quer socioeconómica. Uma mudança há muito esperada na Europa. Os ventos da mudança chegaram.

Sobre o/a autor(a)

Mestrando em Ciência Política
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