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O naufrágio
Esta é uma carta aberta para partilhar uma angústia que me move e que me impede de ficar em silêncio. Esta é uma carta para vos chamar às ruas e às casas onde quem mais ordena somos nós. Esta é uma carta para pedir a todas e todos que nos ajudem a salvar um dos últimos vestígios da nossa história que ainda permanece intocado pelas políticas destrutivas e consumistas dos dias que correm.
Mas antes de falarmos desse pedido, falemos primeiro de naufrágios. Quem vive nos Açores está bem habituado a lidar com tempestades, depressões (sejam elas tropicais, sazonais ou de origem chegana), furacões e grandes ondas dignas de prémios de melhor fotografia do ano. Como nasci e cresci no grupo ocidental, conheço muito bem essa realidade, e a insularidade que dela nasce.
O arquipélago, desde o começo do seu povoamento, tornou-se numa grande estação de serviço dos barcos que atravessaram o Atlântico para participar nos maiores eventos da história da Humanidade nos últimos cinco séculos. Quase seis, se fizemos bem as contas. Esses navios, quando confrontados com as tais tempestades e ondas gigantes, acabaram por afundar ao largo de todas as ilhas. Ainda assim, Angra do Heroísmo destaca-se nesse panorama, por reunir condições que permitiram ao vento ser particularmente perigoso para as embarcações, e proveitoso para os carpinteiros locais. Diz quem percebe disso melhor do que eu que estão registados mais de cem naufrágios só na baía de Angra, entre os séculos XV e XX.
E para quê falarmos de naufrágios?
Em primeiro lugar, porque o XIII Governo dos Açores está cada vez mais em vias de naufragar. Todos os dias lemos novas cusquices sobre as guerras internas entre os seus sociais mais ou menos democratas, com apoios e facadas dos respetivos partidos do arco da descoordenação. O naufrágio inevitável que José Manuel Bolieiro tenta impedir foi apanhado, recentemente, em mais uma tempestade, consequência das más escolhas e más estratégias do seu executivo.
O Diário Insular tornou público, a 8 de abril, os resultados de um estudo preliminar efetuado por uma equipa de especialistas, para avaliar um lugar de potencial interesse histórico e arqueológico, descoberto durante a empreitada em curso no Porto de Pipas. Dizem-nos os arqueólogos responsáveis que a avaliação revelou a presença de um dos tais navios que afundaram na baía. Um barco do tempo dos Descobrimentos, com um valor imenso, ao nível regional, nacional e internacional. Um verdadeiro tesouro para a Região!
Refira-se que esse mesmo estudo foi entregue ao Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, após requerimento, juntamente com um conjunto de parágrafos com muita palha e pouca substância, sobre intenções de preservar os vestígios, sem parar empreitadas. Como vão fazê-lo? Não o dizem. Limitam-se a falar, através de um chorrilho de frases feitas, sem qualquer estratégia, ou pior ainda, sem qualquer decisão concreta.
A Sra. Secretária da Cultura, depois das sucessivas crises religiosas porque passou, em meses recentes, permanece fiel a si mesma. Ou seja, incapaz de decidir o que quer que seja. E deixa-nos a nós sem rumo, com medo de naufragar, e deixar perder um dos mais importantes pedaços da nossa história.
Angra do Heroísmo é rica em história, não em betão. E o progresso pode ser construído com base nessa história. Quem vai a Atenas, vai para conhecer a Antiguidade. Quem vai a Conímbriga, vai para visitar o seu património arqueológico.
A baía de Angra do Heroísmo é Parque Arqueológico Subaquático desde 2005. Em vários momentos passados, as e os angrenses e as e os açorianos souberam defender essa história perante a ameaça dos vampiros burocratas. Recordo petições públicas, edições inteiras dos jornais locais dedicadas ao tema, reportagens em todos os canais de televisão e grandes debates para elucidar e forçar as e os decisores políticos a seguir o caminho certo. O de preservar.
Este é o momento de voltar a lutar pela história dos Açores!
Antes que seja tarde.
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