O mundo podre do futebol

porFrancisco Louçã

21 de novembro 2006 - 0:00
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Caso Mateus, ninguém sabe aplicar as regras. Caso Apito Dourado, anos escorridos sem decisões nem sequer julgamento. Caso Felgueiras e o triângulo entre futebol e câmara municipal, nem se ouve falar do assunto. Parece ser a sina do futebol, que se tornou um abismo de corrupção e de negócios escuros, precisamente porque é um desporto espectacular que prende milhões de pessoas, uma máquina de dinheiro e um centro de poder - não se contam pelos dedos de uma mão os presidentes de câmara, os ministros, primeiro-ministro, procurador-geral da república e outras altas figuras institucionais que fizeram tarimba no futebol.

Com o Caso Veiga, que começa com estardalhaço, a coisa parece corrigir-se. Afinal, sempre se pedem contas dos dinheiros por baixo da mesa, das comissões traficadas para fora de portas, das "vendas" de jogadores. Pedem-se contas? A ver vamos. Todos os outros processos começaram da mesma maneira, com Valentim Loureiro ou com todos os outros a abrirem os telejornais e depois a desaparecerem na bruma. E tudo ficou na mesma. A abertura espampanante do inquérito, ainda a procissão vai no adro, não garante por isso que seja bem conduzido, que seja sólido, que seja determinado ou que seja bem sucedido.

Por isso, é preciso ser radical. O futebol, como as religiões, é um dos meios de lavagem de dinheiro, porque se tornou durante demasiado tempo demasiado fácil esconder a origem dos financiamentos. Segundo a imprensa, no Caso Veiga teria havido um depósito num banco de um offshore - as Ilhas Virgem britânicas - de uma quantia secreta de milhões de euros que foi paga como comissão secreta pela "venda" de um jogador. Este facto, se se confirma, demonstra a importância de duas grandes alterações legais que são indispensáveis para o combate à corrupção e ao branqueamento de capitais.

A primeira é determinar que é tão grave a corrupção activa como a passiva, que ambos os comportamentos devem ser punidos com igual severidade. Quem comprou favores e quem vendeu favores tem a mesma responsabilidade. Quem transferiu para um offshore e quem recebeu na sua conta no offshore têm absolutamente a mesma responsabilidade. Assim, quando o Bloco de Esquerda propõe o registo obrigatório dos movimentos trans-fronteiriços de capital, o que o PS e a direita recusam, apresenta a única medida que permite impedir esta prática criminosa.

A segunda é acabar com os offshores. É difícil? Claro que é. Mas não é hoje evidente que os offshores só servem para colocar dinheiro para fugir dos impostos ou para branquear capitais criminosos? Não há uma única operação financeira que se realize num offshore. Não há acções nem bolsa num offshore. Não há empresas nem actividade económica num offshore. José Veiga, se porventura fez o depósito nas Ilhas Virgens, nem deve saber em que parte do mundo é que ficam. Os offshores são uma fantasmagoria financeira para facilitar o crime. Não é por isso de estranhar que os dinheiros podres do mundo do futebol caiam nessas ilhas.

O Caso Veiga vem lembrar para que servem estas retaguardas do crime. Mas é claro que muita gente vai fingir que não viu nada nem sabe de nada. O espectáculo do futebol permitiu enriquecimentos milionários de intermediários e comissários, que recorrem a todos os meios para esconder os seus dinheiros; agora, a abertura de processos sobre alguns desses casos tornou-se paradoxalmente parte do próprio espectáculo, mas é tanto mais espectacular quanto inconsequente nas lições fundamentais. Corremos o risco de ficar tudo na mesma e os offshores continuam o seu negócio, business as usual.

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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