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O Milagre do sacristão Mota Soares

Pedro Mota Soares veio ao governo para fazer o milagre da multiplicação: "São pobres, senhor, são pobres". Ou então, veio para ser o sacristão da coligação.

Durante os últimos quatro anos, o senhor da "cadeira grande" do ministério que já não é do trabalho mas do emprego (ou do empreendedorismo) e que já não é da segurança social mas da solidariedade social (ou da caridade) esteve ativamente calado, qual sacristão*. Recusou receber e falar com as amas precárias que estão há décadas a trabalhar a recibos verdes para a Segurança Social e IPSS's e que há décadas cuidam das crianças mais pobres do país, mas deu-lhes de volta a ameaça de que as despediria a todas, mais cedo ou mais tarde, com um esquema bem montado, discreto e barato. Recusou corrigir os seus inúmeros erros nas alterações às regras do Código Contributo e que levaram à cobrança indevida (noutros meios também chamada roubo) de prestações à Segurança Social dos trabalhadores a recibo verde, mas deu de volta a estas pessoas a ameaça de prisão juntamente com as penhoras (tantas vezes indevidas ou injustas). Recusou que mais de metade das pessoas desempregadas tivessem acesso a prestações sociais, mas devolveu uma taxa de desemprego menor, à custa de manipulação estatística e da chantagem que obriga estas pessoas a trabalhar sem salário ou a fazer formações que não lhes servem para nada. Recusou responder às perguntas dos jornalistas, mas devolveu em cada visita a escolas de cozinheiros empreendedores ou lares da santa casa, com um sorrisinho nervoso, respostas de bla-bla(bis) que mais não eram do que o texto decorado de um panfleto escrito de véspera.

Este é um pequeno excerto da vida de um sacristão que se emancipou e resolveu falar.

Falou há uns dias, na sua apresentação como candidato nas listas da PAF no Porto (nº 2, como não poderia deixar de ser, para um sacristão de alma) e revelou ao mundo que o seu (des)governo resgatou a economia e nos fez sair da crise. E isso foi graças à iluminada parceria do Estado com o sector da economia social (que estará, certamente, cheia de amiguinhos e amiguinhas), com aquelas inúmeras instituições (IPSS's, santas casas, cantinas e outras naftalinas) que são as que melhor resolvem os problemas sociais, ao mesmo tempo que criam postos de trabalho e geram riqueza (para si próprias). Os 13.000 acordos de cooperação que o silêncio do caridoso sacristão assinou, chegaram a meio milhão de portugueses pobres.

E assim, de um milagre, se fazem dois. O primeiro é o milagre da multiplicação dos pobres: cobrar mais a prestações, cortar as pensões e salários, coagir a trabalho forçado, retirar apoios sociais... O segundo é o milagre da transformação dos pobres em ouro e postos de trabalho: cada pobre cria a riqueza do "sector da economia social" e ainda dá para pôr uns quantos desempregados a trabalhar com um contrato emprego-inserção.

O final só pode ser feliz, qual história de encantar: a crise sai pela porta principal, vestida de branco e com cabelos ao vento e a economia, outrora amarrada numa cave, casa com a pessoa jovem que a salvou das amarras, que se descobre, no último minuto, que é um jovem empreendedor.


* Sacristão: o moço que está lá ao lado das pessoas que mandam e falam, caladito e obediente

Sobre o/a autor(a)

Arquitecta paisagista
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