Uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral. Enfim, carece de probidade moral. Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus tratos.
Neto de Moura – Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto
O último acórdão do juiz da Sharia prova que, em matéria de violência doméstica, um agressor impune agredirá de novo.
Sim. Cada acórdão proferido por este senhor é uma agressão. E outras agressões virão, se continuar apenas a ser advertido, num exercício de indulgência aquiescente, por quem tem poder para o sancionar.
Em Outubro de 2018 foi tornado público um acórdão em que o Sr. Juiz convocava uma legislação de há um século, falava de mulheres adúlteras, da Bíblia, da lapidação, tudo isto a propósito de uma agressão a uma mulher. O marido utilizou uma moca com pregos. A pena baixou.
O teor do acórdão era de tal forma escandaloso que o Conselho Superior de Magistratura lhe aplicou uma sanção. Uma advertência escrita consta agora do currículo, certamente brilhante, cintilante e reluzente, do senhor Juiz.
O Conselho Superior de Magistratura é formado por 17 almas. Quando decidiu pela aplicação de uma sanção, estavam presentes quinze. Das quinze sete votaram contra. Oito votaram a favor da instauração de um processo.
Isto quer dizer que naquele colectivo há pelo menos sete almas que subscrevem o que o Sr. Juiz afirmou. Que acham natural que se invoque a Bíblia, se fale de mulheres adúlteras, se dê um saltinho até ao Islão. Há sete almas que se compadecem e quase justificam uma agressão feita com uma moca com pregos a uma mulher.
Dos oito membros daquele conselho que votaram pela instauração do dito processo, quatro entenderam que a pena devia ser a mais leve das penas. Advertência. Um voto de qualidade desempatou o impasse.
Face a esta quantificação de sensibilidades e perspectivas presentes naquele conselho, o único órgão com poder para sancionar um juiz, não há mais nada a dizer, a não ser que isto tem de mudar.
O comando constitucional que prescreve que os juízes são inamovíveis e irresponsáveis tem possibilitado a esta classe profissional colocar-se num pedestal, sacralizar-se na função, imbuir-se de uma autoridade inquestionável que lhe permite o abuso que estas sentenças desgraçadamente demonstram.
A coberto da necessária independência dos tribunais tem-se feito tudo e de tudo. A independência tem dado guarida ao abuso que tem crescido a bom ritmo.
Abusos sempre houve e sempre haverá. Mas se esses abusos são julgados por quem com eles contemporiza, ou deles comunga, há qualquer coisa que vai mal no reino da Dinamarca da justiça portuguesa.
Naquele mesmo Outubro, em que o acórdão da moca bíblica fazia o país ferver de indignação, o Sr. Juiz, indiferente à justíssima fúria que as suas palavras haviam provocado, sacou da caneta e assinou nova sentença. Desta vez sobre uma agressão tão brutal que a mulher a quem foi dado um soco ficou com um tímpano rebentado.
O Sr. Juiz retirou a pulseira electrónica ao agressor. Com jeitinho, não fosse magoar-se. A vítima, a mulher do tímpano rebentado, que fica sem qualquer protecção, não interessa, não conta, não existe.
Como não existem para o Sr. Desembargador as onze mulheres assassinadas em Janeiro e Fevereiro.
Nem aquelas que todos os dias são espancadas, aviltadas, violadas, neste século XXI, tão pródigo em vilipêndios.
Uma justiça que não entende, não percepciona, se mantém olimpicamente à margem deste gravíssimo rasgão que ensombra a sociedade portuguesa, a violência doméstica, não é justiça. É uma mera actividade dos tribunais, administrada por uns senhores que usam umas vestes negras, chamadas becas, para compor um cenário.
E se não é justiça, é injustiça. Tem de se lhe pôr cobro.