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O grito

O povo grego deu, com a sua determinação, duas enormes lições à Europa, por um lado que é possível lutar por alternativas à austeridade e por outro, que entre a chantagem e a democracia optou por esta, pela dignidade como povo, pelo emprego e pela economia.

A situação a que chegou a economia grega não é resultado de um governo que tomou posse apenas há seis meses, é resultado de muitos anos de irresponsabilidade de governos, ora de direita, ora do PASOK, de alianças entre eles, sempre ligados a dois ou três grandes grupos familiares.

Não foi o governo do Syriza que isentou as maiores empresas gregas, os armadores, de pagarem impostos. Não foi o atual governo que esbanjou fundos na compra de seis submarinos à Alemanha e de material militar à França, para cumprir o seu papel na NATO.

Os bancos alemães e franceses não hesitaram em ajudar os seus congéneres gregos para lhes permitir pagar as compras efetuadas precisamente à Alemanha e à França. Aos poucos a dívida foi crescendo com juros exorbitantes e a situação foi-se tornando cada vez mais insustentável,

Quando o povo grego resolveu alterar a situação e eleger um governo que preconizava lutar contra esse estado de coisas, os financeiros tornaram-se mais exigentes e ameaçadores, pondo em causa a continuação da Grécia no euro e até na União Europeia.

À campanha de chantagem, o governo grego respondeu com uma consulta, no prazo de 8 dias, à entidade onde reside a soberania de todas as nações, o povo.

Apesar da intensa campanha de chantagem desenvolvida pelos defensores do neoliberalismo, altos dignitários da UE incluídos, os gregos disseram não às generosas propostas de continuação das políticas de austeridade que os financeiros lhes impõem.

O povo grego votou em referendo de forma absolutamente clara pela continuação na UE, mas exigindo outra política, uma política de crescimento e emprego e de reestruturação da enorme dívida.

O povo grego deu, com a sua determinação, duas enormes lições à Europa, por um lado que é possível lutar por alternativas à austeridade e por outro, que entre a chantagem e a democracia optou por esta, pela dignidade como povo, pelo emprego e pela economia.

Todos sabemos e os gregos melhor que ninguém, que não vai ser fácil, que a situação é muito, muito difícil, mas tem de ser tentada uma ou mais alternativas contra a inevitabilidade das políticas de empobrecimento que nos apregoam e que não passam de uma falácia destinada a entravar a capacidade de luta dos povos pela sua autodeterminação e a facilitar a apropriação da criação de riqueza por parte do capital financeiro.

E é por tudo isto que a vitória do NÃO na Grécia representa um grito tão forte pela dignidade e pela democracia.

As declarações do presidente do Parlamento europeu, o alemão e social-democrata, Martin Schulz, após o referendo, são claras ao afirmar que os gregos terão que escolher uma nova moeda, assim como as do seu colega Sigmar Gabriel ao dizer que os gregos queimaram as ultimas pontes ou mesmo do holandês, Dijsselbloem ao referir que o resultado do referendo condiciona a permanência da Grécia na UE. Estas tomadas de posição dizem bem da conceção de democracia que os eurocratas têm. São estes os democratas da União Europeia?

Ao mesmo tempo foi reconfortante ver as manifestações de solidariedade que aconteceram por toda a Europa, levando às ruas muitos milhares de cidadãos em apoio à Grécia e ao seu governo. Enquanto isso uma parte significativa da comunicação social portuguesa limitou-se a publicar mentiras e inverdades, sem qualquer espírito critico, escolhendo claramente um lado.

No nosso país as tomadas de posição do governo PSD/CDS e do Presidente da Republica foram lamentáveis e estiveram em consonância com o que tem sido a sua subserviência face aos interesses que defendem, curvam-se perante o neoliberalismo e como bons alunos limitam-se a cantar loas à obediência aos “credores”, representados pela troika. Não há um pingo de solidariedade, não há uma crítica, não há uma alusão à alternativa política. Só obedecer, obedecer, obedecer… à entidade mítica, os mercados.

As habituais declarações de que Portugal não é a Grécia enganam cada vez menos, porque aquilo a que assistimos por cá é à continuação da destruição de pequenas empresas e ao avolumar do desemprego.

A contínua venda ao desbarato do património público, com o chorrilho de escândalos que a acompanha, não pára. O Tribunal de Contas apresentou um relatório sobre a privatização de EDP e da REN, onde se pode verificar aquilo que sempre denunciamos, que foi uma baralhada em que houve consultores a trabalhar simultaneamente do lado da venda e da compra. Os lucros distribuídos aos acionistas por aquelas empresas são de tal monta que a venda que o estado arrecadou não passa de trocos. É uma vergonha o que se passa nas nossas barbas.

Na atual situação, a crise em que estamos mergulhados, não é um intervalo entre dois períodos normais, pretende ser todo um programa para transferir permanentemente os valores criados pelo trabalho, para os bolsos do capital financeiro. Não entender isto torna frágil qualquer tentativa de lutar contra quem promoveu todo este enquadramento e o está a conseguir de forma disciplinada e sistemática.

A recusa em encarar seriamente uma reestruturação das dívidas, em termos de quantitativos, de juros e de prazos, é pactuar com uma situação que não foi criada pelos portugueses nem pelos outros povos, mas que serve às mil maravilhas para a acumulação de capital financeiro nas mãos dos banqueiros.

A privatização geral do património e a destruição do estado social é aqui que entram com vista a vergar os trabalhadores, empobrecendo-os declaradamente.

Saibamos escutar o grito que vem da Grécia.

Trabalhar para empobrecer, já basta!

Essa é a luta do povo grego e é também a nossa luta.

Sobre o/a autor(a)

Reformado. Ativista do Bloco de Esquerda em Matosinhos. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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