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O grande líder moral

O grande líder moral dos EUA - palavras do próprio - proibiu o acesso à Casa Branca a Jim Acosta, correspondente da CNN, depois de o insultar rispidamente do alto do seu púlpito.

Horas depois de fortes acusações de dedo em riste, Trump proíbe o acesso à sede da presidência norte-americana ao jornalista, apontando-o como "inimigo do povo". Enquanto canta vitória nas eleições intercalares tendo perdido a Câmara dos Representantes para os Democratas, o grande líder moral acusa a CNN de fazedora de fake news.

Venceu apenas no Senado que, desta vez, não poderia perder. Isto enquanto a caravana da pobreza avança para a fronteira e Trump ameaça metralhar quem atire uma pedra ou faça comício. Em mais um ataque à liberdade de Imprensa no país que faz, agora, corte e costura da liberdade de expressão, sobra a imaginativa justificação para a erradicação de Jim Acosta da Casa Branca: Sarah Sanders, assessora de Imprensa de Trump, aponta ao intolerável confronto físico entre o jornalista e uma funcionária que lhe procurou retirar o microfone (confronto físico inexistente como todas as imagens comprovam). Mas a realidade alternativa impõe-se e ganha batalhas em nome da moral e do seu grande líder, sem que grande parte da terra prometida se importe com quem vai espalhando mentiras como sementes de ódio.

As eleições intercalares reforçaram a ideia de que o partido democrata precisa de desencantar um candidato carismático e luminoso para 2020 (como Beto O"Rourke, que, apesar de perder para o Senado no Texas, mostrou como se pode fazer campanha e mobilização popular) pondo fim ? à herança Clinton e ao filão Obama. O passado morreu para os democratas e serão eles a ter que acreditar, antes dos demais, no seu fim. Os indicadores destas eleições, com vitórias surpreendentes de candidatos tradicionalmente à margem do sistema eleitoral, oriundos de minorias étnicas ou sociais, com a presença de mais mulheres e maior diversidade de escolhas, é um sinal que pode não se traduzir em vitória mas acende como o único farol pelo qual os democratas se poderão orientar.

Quando, daqui a dois anos, mais um terço do Senado for a votos, será quase certa a vitória democrata. É esse o seu terço, menos próximo do Partido Republicano, terço mais válido do que a sua própria fé. Nesse momento, onde estará Alexandria Ocasio-Cortez, agora com 29 anos, a mais jovem mulher a chegar à Câmara dos Representantes (e sem abdicar de ideias fracturantes para o sistema de saúde e de educação norte-americanos)? Ou outros nomes, como as duas primeiras mulheres latinas a ganhar um lugar na Câmara dos Representantes, Sylvia Garci e Veronica Escobar? Ou Ilham Omar (muçulmana) e Jahana Hayes (primeira negra eleita para o Congresso pelo Connecticut)? Ou Deb Haaland e Sharice Davids, as primeiras nativo-americanas eleitas? Se os EUA não cederem às fake news do seu grande líder moral, iremos ouvir falar delas. Denominador comum: todas mulheres.

Que melhor forma dos democratas ultrapassarem a escolha decepcionante de Hillary nas anteriores eleições presidenciais?

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 9 de novembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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