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O fim da cidadania

Na Segurança Social, os cidadãos outrora “utentes”, “alunos” ou “beneficiários” passam a ser “clientes” do Estado.

Quem se dirige ao balcão da Segurança Social do Areeiro depara-se à porta com um cartaz que indica que é a entrada para “Clientes com marcação”. À medida que o estado é esvaziado pelo governo da sua função social e o mercado penetra em todas as suas esferas, como na educação, saúde e proteção social, os cidadãos outrora “utentes”, “alunos” ou “beneficiários” passam a ser “clientes” do Estado.

Esta mudança de vocabulário na Segurança Social é reveladora do novo paradigma que o liberalismo procura criar: uma relação meramente individual e mercantil entre as pessoas e a sociedade. É também a procura de tornar a proteção social um negócio privado, uma empresa geradora de lucro. A Segurança Social, tal como as outras instituições do estado, já não se apresentam como um bem comum para garantir o acesso de todos a direitos básicos, passando a ser um serviço dirigido a determinados “clientes”. Já não se vem procurar um direito ou um apoio, vem-se consumir um produto que nos seria proposto. E se continuarmos neste sentido, as contribuições à segurança social também já não seriam como uma obrigação cidadã, porque é o cliente que opta pelo que quer consumir e pagar, como tem vindo a ser proposto pelo PSD e o CDS-PP. Já não existem valores de solidariedade e bem coletivo, apenas o interesse comercial com base num valor monetário.

Esta relação mercantil já está muito naturalizada nas universidades, com os cartões de estudantes transformados em cartões bancários, propinas e serviços pagos a preços cada vez mais altos, e uma constante procura das instituições em novas fontes de receitas. A universidade faz acordos e negócios com os seus alunos e com as outras empresas. A universidade como espaço público, de investigação e transmissão do saber passa a ser um espaço privado de negócio e de consumidores.

Os hospitais e os centros de saúde, também eles com um acesso pago e cada vez mais caro, têm de racionalizar os serviços para ser mais competitivos, e premeia-se quem gasta menos. A última proposta para combater a transmissão de doenças em hospitais é de premiar financeiramente os hospitais que têm um índice mais baixo de contaminações. É exatamente o oposto do que deveria ser feito, como aliás qualquer pessoa de bom senso faria, investindo mais nos locais onde existem mais problemas, para os resolver.

A degradação de todo o serviço público advém da introdução desta ideologia centrada na competitividade e na procura de rentabilização monetária, no detrimento da qualidade e do bem comum. Tornamo-nos meros clientes e consumidores deste novo estado-empresa, os nossos direitos humanos e a nossa cidadania desaparecem progressivamente.

Sobre o/a autor(a)

Realizador de cinema. Dirigente sindical e ativista do movimento Que Se Lixe a Troika.
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