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O equilíbrio impossível

O PS só poderia aspirar a ganhar eleições com maioria absoluta se estivesse disponível para mobilizar a população portuguesa em torno de um projeto de negação consequente da austeridade, correndo todos os riscos que daí pudessem decorrer.

António Costa venceu as primárias e foi eleito no Congresso do PS em pleno estado de graça. A natureza baça do seu antecessor tinha colocado o partido no impasse e sem perspetivas de descolagem em relação à coligação que suporta o governo. O novo líder renovava a esperança prometendo uma orientação mais afirmativa e mobilizadora e chegou a criar na opinião pública uma miragem de vitória indiscutível. Passados alguns meses tudo regressa à estaca zero e o PS volta a não ter capacidade para arrancar rumo a uma promessa de maioria absoluta que tanto deseja.

Não é, certamente, um problema de falta de carisma ou de habilidade para a manobra política, como supostamente acontecia com António José Seguro. Costa provou largamente à frente da Câmara de Lisboa ou mesmo em cargos governativos e parlamentares ser um peso-pesado da política portuguesa. Trata-se de um mal muito mais profundo que afecta de forma letal o percurso de qualquer dirigente da área da social-democracia contemporânea – o grande envolvimento com a política neoliberal e a impossibilidade de encontrar um projecto alternativo.

Os acontecimentos mais recentes provam-no com particular eloquência. Costa cavalgou a vitória do Syrisa na noite eleitoral de 25 de Janeiro, provocando reações azedas num determinado sector, e aproveitou o encontro com investidores chineses para destilar uma tirada direitista que deveria conter esses mesmos danos. Na realidade acabou por provocar a ira e mesmo o abandono de elementos conotados com a ala mais à esquerda do partido.

Eis as verdadeiras dificuldades do PS. Em tempos normais o silêncio e o ziguezague ao sabor das manchetes que vão atraindo as atenções seriam suficientes para ganhar eleições, até com maioria absoluta. Que o digam Barroso, Guterres ou Sócrates (para não falar de Cavaco) que se limitaram a aproveitar o clima de insatisfação em relação aos seus antecessores com uma vaga promessa de mudança. Mas o período que vivemos não é certamente o da “normalidade” e o da pura gestão das expectativas com o objetivo de as manipular. A fratura e a rutura predominam nas grandes opções da vida política nacional e internacional e o PS entende-se mal com isso.

Veja-se o exemplo da Grécia. Entre os ditames da austeridade imposta pela União Europeia e a política de confronto do Syrisa não resta espaço para aproveitar. Ou se está de um lado ou do outro. Não há terceira via e o desaparecimento do PASOK resulta da escolha óbvia pela austeridade. O acordo assinado por Tsipras e Varoufakis com o Eurogrupo, que a direita europeia se apressou a denunciar como uma derrota do governo grego, tem de ser enquadrado no processo de esgotamento da capacidade negocial no quadro do euro com o objetivo de o desmontar.

O Syrisa foi eleito com uma grande maioria no pressuposto de que tentaria aplicar o seu programa no quadro do sistema da moeda única, decorrendo daqui que a rutura só será uma hipótese a partir do momento que ela se revele inevitável e, portanto, aceite pela opinião pública grega. E é esse jogo dinâmico que está lançado no terreno: entre os desejos de capitulação (que muitos vaticinam à direita, mas também alguns anseiam à esquerda com objetivos diversos) e a hipótese de expulsão sumária do euro, resta a iniciativa para manter o apoio permanente dos eleitores e reforçar a política de distanciação face ao atual sistema, estimular mudanças eleitorais noutros países (Espanha, Irlanda, Portugal,…) e reclamar alterações que as circunstâncias podem ou não acomodar.

A grande lição é clara. O PS só poderia aspirar a ganhar eleições com maioria absoluta se estivesse disponível para mobilizar a população portuguesa em torno de um projeto de negação consequente da austeridade, correndo todos os riscos que daí pudessem decorrer, incluindo o confronto com as instituições da União Europeia, reestruturação da dívida, saída do euro ou violação das regras do Tratado Orçamental. Mesmo que o resultado final não fosse necessariamente esse.

Neste sentido António Costa é um player derrotado deste jogo: as estratégias que sugere não envolvem os compromissos que poderiam assegurar credibilidade na luta contra a capitulação e a aceitação da austeridade. Esses compromissos terão que fazer o seu caminho na esquerda, no pressuposto de que a maioria da população portuguesa começa a revelar grande impaciência com a falta de uma alternativa eficaz e mobilizadora que ultrapasse o equilíbrio impossível apontado pelas sugestões mais convencionais.

Artigo publicado no jornal “Público” de 1 de abril de 2015

Sobre o/a autor(a)

Economista e professor universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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