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O coração de Angola

Hoje como ontem, levanta-se a juventude angolana e a voz dos musseques: a libertação é possível.

O meu pai foi militante do PCP até morrer e do MPLA desde os anos sessenta até à independência de Angola. Tenho um recorte de jornal de 1975 em que, numa grande manifestação de apoio a Agostinho Neto, surge no meio dos camaradas negros – o único ponto branco na multidão!

Lembrei-me dele inúmeras vezes a propósito deste ressurgir da esperança democrática e progressista em Angola. Como ele ficaria contente por saber que há um crescendo de insurgência contra os colonos do interior!

Luaty Beirão interpretou com coragem e sacrifício essa metáfora translocal de Che Guevara, símbolo jovem e emancipador de luta contra a opressão, o silêncio hipócrita, o roubo organizado das élites, o espezinhar quotidiano do povo. Luaty soube renegar as heranças que não pretendia carregar e fê-lo com propósito e consequência. Transformou as palavras em revolta viva, atirou o seu corpo para a luta e fez escolhas.

Lembram-se de Monangambé, música de Rui Mingas e poema do António Jacinto?

Quem se levanta cedo?

quem vai à tonga?

Quem traz pela estrada longa

a tipóia ou o cacho de dendém?

Quem capina e em paga recebe desdém

fuba podre, peixe podre,

panos ruins, cinquenta angolares

"porrada se refilares"?

Não podia ser mais atual: “porrada se refilares”!

José Eduardo dos Santos tem ainda o apoio dos EUA e da China; a cumplicidade do governo português e o silêncio de PS e PCP. Mas começou a cair e está bloqueado no luxo do palácio, a morrer e a envelhecer como o tirano que é.

Mas ontem como hoje, levanta-se a juventude angolana e a voz dos musseques: a libertação é possível.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
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