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O clube de fanáticos

A direita não tem outro projeto para o país, que não passe pela privatização de tudo o que é público e a aniquilação de todos os direitos sociais.

Ficámos a saber esta semana que um grupo de 400 fanáticos organizados, há mais de um ano, decidiu formar uma associação, autointitulada como independente, que tem como mote o memorando da troika ser “curto” e não passar de um “plano de contingência”, daí ser necessário ir mais longe.

Resumidamente é este o cartão-de-visita da Plataforma para o Crescimento Sustentável1 (1), que das ideias às vontades é o disco de platina da direita política e ideológica, não fosse ela presidida pelo vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva.

No plano do papel e das funções do Estado as intenções são inovadores desde o apogeu do liberalismo: quanto menos melhor, desde que garanta a ordem pública, a igualdade de oportunidades e a mobilidade social. Para a coisa ficar mais composta juntam-lhe uma panóplia de sugestões democráticas, das quais assinalo duas, os círculos uninominais e reforço do mérito e da transparência nos partidos. A primeira vem sob o embrulho de “alterações ao sistema eleitoral que aproxime o cidadão dos seus representantes”. A segunda, através do aumento da “transparência e reconhecimento do mérito”. Miguel Relvas, com o mérito que se lhe conhece e a transparência que marca o seu percurso político-partidário, pode ficar descansado que continuaria a ser eleito. A democracia como regime, que garante a representação plural das expressões e vontades sociais, é que saia amputada. Fica uma vez mais claro que um two party system à portuguesa é um desejo cada vez mais visível do centrão.

O programa de intenções vai ainda mais longe, quando olhamos para os campos da Saúde, Trabalho e Segurança-Social.

O Serviço Nacional de Saúde é para acabar, apesar de não ser afirmado nitidamente, com o signo de uma cidadania livre é proposto que deve ser “inclusivo e financeiramente sustentável, num quadro de escolha e concorrência” e o acesso universal através “de uma política de preços que estimule a competitividade entre prestadores independentemente da sua natureza pública, privada ou social”. Por outras palavras, dois sistemas de saúde, um para ricos, outro para pobres, a qualidade dos serviços passariam a ser definidos pelo extrato da conta.

As demais funções sociais do Estado seriam transferidas para organizações de voluntariado, pois “estão em condições de prestar muitos serviços públicos, com maior qualidade e eficiência do que o Estado”. Sim, Isabel Jonet é uma das destacadas figuras do think thank.

Para o flagelo do desemprego, a resposta não podia ser mais óbvia, mais precariedade, insegurança no trabalho e desvalorização salarial: “absolutamente urgente criar as condições para aumentar o emprego, num contexto de maior diversidade e flexibilidade nos regimes de contratação e de formação (…) é fundamental diminuir os custos de indemnizações por cessação de contrato de trabalho sem termo.”2

Quando é afirmado ad eternum, que o memorando da troika é uma oportunidade única para o país, sabemos bem porquê, sem a força violenta da intervenção externa e o subsequente apoio das instituições financeiras, a direita e a elite económica nacionais nunca conseguiriam num tão curto espaço de tempo, propor um novo contrato social leonino e serem tão honestos na vontade de fazer letra morta da Constituição da República Portuguesa.

Independentemente da concretização, ou não, da totalidade das vontades expressas por este clube de 400 fanáticos, o atrevimento propositivo, que se pode singularizar no fim de todo e qualquer sufixo social na palavra Estado, demonstram a crueldade do programa da “refundação do estado”, como a ganância do capital é ilimitada, sempre com as melhores intenções – pois claro (!) – e como os tempos que vivemos são encarados como oportunidade única pela classe dominante. Infelizmente uma parte substantiva do espírito das intenções descritas já ganharam corpo legislativo, a diferença entre os últimos dois OE’s e as vontades da plataforma, é uma questão de distância, o caminho é exatamente o mesmo.

A direita não tem outro projeto para o país, que não passe pela privatização de tudo o que é público e a aniquilação de todos os direitos sociais. Felizmente, como a história recente nos tem demonstrado, o tabuleiro de xadrez não tem só um lado. Chegará a nossa altura para o xeque-mate, com uma diferença, à esquerda as jogadas fazem-se em nome de mais democracia, serviços públicos, igualdade, liberdade, solidariedade e prosperidade coletiva.


1 Para além da Plataforma para o Crescimento Económica Sustentável ser presidida por Jorge Moreira da Silva, conta com a presença de Francisco Pinto Balsemão, Ângelo Correia, Carlos Pimenta, Rui Machete, António Monteiro, Arlindo Cunha, Belmiro de Azevedo, Carlos Carreiras, Fernando Nogueira, Isabel Jonet, Manuel Meirinho, Pedro Lopes Marques, Teresa Gouveia e Vítor Bento.

2 Fontes: Jornal Público, edição em papel, Quinta 13 Dezembro 2012, pág. 3-4 ; crescimentosustentavel.org

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Sociólogo.
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