Está aqui

O CDS sai caro

A voragem de preços, depois dos vistos gold de Portas e da lei das rendas de Cristas, tem um ganhador: o setor imobiliário. Mas tem um preço para a sociedade

Em 2006 começou a transformação do mercado imobiliário, mas foi com Assunção Cristas que a nova lei do arrendamento mudou as nossas cidades. Sábios, os governantes de direita permitiram então cinco anos de transição, para que o efeito caísse sobre o Governo seguinte e ficasse esquecida no nevoeiro a responsabilidade original. Mas o resultado é claro: para os comerciantes, a renegociação das rendas ou o despejo passaram a ser o destino imediato, para os inquilinos é a rua. O CDS fez o seu papel, deu a luz verde a um poder social, os fundos imobiliários, para devastarem as cidades.

Conjugada com a pressão turística e com as operações de investimento imobiliário, esta legislação abriu as comportas de uma expulsão rápida das populações dos bairros históricos. O resultado é um tsunami: na freguesia de Santa Maria Maior, em torno da Sé de Lisboa, em quatro anos, a população reduziu-se para pouco mais de metade. Na Cedofeita, Santo Ildefonso e Sé, no Porto, o mesmo. Os negócios atingem os arrendatários mais antigos, os pobres, os idosos, os que são expulsos para criar o negócio do alojamento local.

Os municípios

O impulso à reabilitação para o aluguer turístico e à hotelização das grandes cidades tem sido promovido pelos municípios, embora alguns presidentes façam as contas à redução do número de eleitores e temam o resultado. Mas os turistas são negócios por todo o lado: nas esplanadas, nos restaurantes, no complemento salarial que é o aluguer da casa, nos hotéis, nos transportes, nas praças e nos eventos culturais. Os turistas são importados mas contam como exportação, pagam imposto e não levam devolução. Mas têm um preço: o metro quadrado está a 10 mil euros no centro de Lisboa, e estes preços arrastam todos os outros, a começar pelos quartos dos estudantes e a continuar nos alugueres comerciais. A expulsão dos idosos tem ainda outra consequência mais invisível: é que os seus netos ficam também do outro lado da barreira da cidade apartheid. A cidade não é para novos, não é para velhos e não é para comerciantes, a não ser que sejam marcas de prestígio.

A preparação foi meticulosa e tem uma impressão digital. Foi a lei Cristas, mas foi também outra invenção, os vistos gold, também criados por um ministro do CDS, Paulo Portas. Feitas agora as contas, sabe-se que, dos mais de 5700 vistos, só nove beneficiários criaram emprego. Chamar-lhes investimento quando se trata de aplicações de fundos em imobiliário, para comprar um visto que abre a porta da Europa, é mais revelador de habilidade linguística do que de estratégia económica. Trata-se simplesmente de Portugal, como outros países, vender o passe de entrada para a área da UE.

A vida não volta para trás

Esta voragem de preços, promovida pelos vistos gold e pela lei das rendas, tem um ganhador: o setor imobiliário, as suas empresas e os seus intermediários. Tem um preço para a sociedade: as cidades passam a ser mundos diferentes daqueles em que crescemos. Por isso, se pensa que o CDS é só os mil milhões dos submarinos, faça melhor as contas: aquele partido é muito caro, sobretudo para si, inquilino que vai ser despejado, para a sua filha, que já não pode comprar uma casa, ou para os seus netos, que nem pensar em alugar um quarto quando forem para a universidade. E se quiser um dia pensar num caso exemplar e revelador de interesse económico associado à sua representação política, lembre-se do que se está a passar nas cidades à sua frente.

Artigo publicado no jornal “Expresso” em 23 de junho de 2018

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
(...)