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O Bloco só é relevante se for irrelevante, percebem?

No Facebook, Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, escreveu sobre a Convenção do Bloco de Esquerda, que se realizou este fim de semana em Matosinhos. Essa nota revela equívocos a que gostaria de responder.

Em 2015, o PS conseguiu um acordo com a Esquerda parlamentar. A sua estabilidade deveu-se à existência de um compromisso escrito com medidas exigentes que foram cumpridas na legislatura. Então, fruto da absoluta necessidade de conseguir o apoio da Esquerda parlamentar para formar Governo, o PS admitiu ceder no seu programa e aceitou medidas novas, até aí impensáveis. Foi assim que se evitou o congelamento das pensões ou maior desregulamentação laboral, e que se conseguiu um aumento inédito no salário mínimo. Em 2019, o PS não quis mais condicionar a sua governação às exigências do Bloco de Esquerda, a que, aliás, chegou a chamar de "empecilho". Recusou um acordo escrito e, legitimamente, decidiu jogar com a geometria variável na Assembleia da República, procurando os acordos mais convenientes em cada momento.

Do alto da sua arrogância, o PS tende a esquecer que o mandato do Bloco não é para manter um Governo de António Costa no poder a qualquer preço. Se o PS quer, como diz, um orçamento à Esquerda, então terá de negociar à Esquerda, sem tabus

Mesmo sem acordo, o Bloco viabilizou o Orçamento de 2020, bem como o retificativo do mesmo ano. As medidas acordadas não foram, na sua maioria, cumpridas. No final de 2020, ano de pandemia, o Governo tinha deixado por executar 7000 milhões de euros dos orçamentos do ano.

Apesar disto, o Bloco procurou um novo entendimento para o Orçamento de 2021, centrado em quatro eixos: eliminação das leis laborais deixadas pela troika (contra as quais o PS tinha estado), um novo apoio social que protegesse quem não tem subsídio de desemprego, um regime de exclusividade para fixar profissionais no SNS e a eliminação do OE da transferência para o Novo Banco. O Governo rejeitou estas medidas. Elaborou um Orçamento fraco, que coloca Portugal na lista de países que pior responderam à crise, mas, ainda assim, exigiu o voto obediente do Bloco. Meses depois, os apoios sociais já se mostravam insuficientes e a auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco dava razão ao Bloco. Quanto aos médicos, já saíram 200 do SNS, só este ano.

Do alto da sua arrogância, o PS tende a esquecer que o mandato do Bloco não é para manter um Governo de António Costa no poder a qualquer preço. Se o PS quer, como diz, um orçamento à Esquerda, então terá de negociar à Esquerda, sem tabus. A recorrente e muito conveniente ameaça de crise política pode até servir o jogo de poder quotidiano, mas não responde pelo país. É ou não preciso reforçar os direitos laborais? O SNS precisa ou não de médicos em exclusividade? Combater a pobreza é ou não uma prioridade?

A relevância do Bloco está em não ceder a chantagens e não transigir no que conta, por muito que isso desagrade a Ana Catarina Mendes. Entendo que o PS chame protesto ao que não seja vassalagem. Eu chamo-lhe exigência. É com ela, mas também com vontade de entendimentos sérios, que podem contar sempre. Afinal, é esse o nosso mandato.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 25 de maio de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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