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O Bloco, os Fundos de Investimento imobiliário e o Orçamento do Estado

Uma política de habitação digna desse nome necessita de responder às necessidades sociais. Assim, um pequeníssimo primeiro passo é, desde já, inverter o apoio a quem especula.

Os fundos de investimento imobiliário (FII) cresceram ao longo das últimas duas décadas. Estes fundos têm como atividades autorizadas a aquisição de imóveis para revenda, aquisição de outros direitos sobre imóveis, desenvolver projetos de construção e de reabilitação. Os principais fundos estão intimamente ligados à banca.

Num levantamento feito há dois anos, em quatro ou cinco ruas e avenidas de Lisboa, todos os prédios vazios (várias dezenas) pertenciam a FII. Na verdade, os FII são um tipo de ator financeiro que serve vários propósitos: valorizar a propriedade imobiliária através de várias operações, ou seja, especular; e também ajudar à gestão pela banca do seu balanço no sector da construção e habitação, de forma a ter liquidez e rotação de ativos favorável à rendibilidade.

Ao longo dos anos, estes tiveram um regime fiscal próprio e deveras favorável, para prosseguirem a sua principal atividade, especular: isenção de pagamento de IMI, isenção de pagamento de IMT, os fundos de investimento fechados têm tido a isenção de 50% do IMI e do IMT e, se sujeitos a operações de reabilitação estão isentos de IRC e as empreitadas sujeitas a taxa de IVA a 5%. Os fundos constituídos entre 2009 e 2013 foram isentos de IRC na totalidade dos rendimentos. Os prédios urbanos sujeitos a isenção de IMT e imposto de selo em caso de arrendamento. Como nos dizem os autores do recente livro sobre A Financeirização do Capitalismo em Portugal, “não será surpreendente o contributo do regime fiscal para a rendibilidade dos FII”1.

No entanto, o contributo destes FII para a sociedade tem sido... especular! É preciso perceber que tal também tem consequências negativas para a sociedade. Os valores contabilizados por estes fundos estão claramente acima do valor de mercado em cidades como Lisboa, Porto e Sintra (IHRU, 2010); durante anos procuram manter uma parte considerável da propriedade vazia e por isso livre de ónus e pronta a transações. Atualmente, com a nova lei das rendas (resultante do memorando entre anterior governo e troika) que veio libertar dos constrangimentos da regulação do mercado ainda existente, dedicam-se à compra, despejo, reabilitação e arrendamento de luxo, ou venda ou ainda o desenvolvimento de hotéis e de habitação temporária. Vejamos um exemplo: um fundo a operar na zona histórica de Lisboa comprou dezenas de edifícios, deixou-os vazios durante anos, reabilitou agora de forma luxuosa, vende por exemplo um pequeno T1 na zona do Poço dos Negros por 300.000 euros, e propõe ao novo proprietário a gestão desta habitação durante 2 anos, para arrendamento temporário, com a garantia de rendibilidade de 4% ao ano. O efeito destas operações está a transformar dramaticamente a face de cidades como Lisboa e Porto, com uma profunda alteração sociodemográfica associada ao preço do arrendamento e da compra.

Uma política de habitação digna desse nome necessita de responder às necessidades sociais. Assim, um pequeníssimo primeiro passo seria, desde já, inverter o apoio a quem especula, através de tão generoso/escandaloso regime de isenções, em taxação, até superior (nunca inferior) ao comum dos cidadãos que foi obrigado a comprar uma casa para habitação. Evidentemente, muito mais há que fazer desde o investimento público à regulação do mercado. E, afinal de contas, esta seria uma forma de ir buscar recursos (que sempre dizem não ter) para, por exemplo, investir em políticas de habitação.

O Orçamento do Estado aprovado prevê, por proposta do Bloco, o fim das isenções dos FII (esperemos que de todos os FII, abertos e fechados) e tal foi aceite pelo governo. Vejamos agora o que acontece com outras propostas de alteração ao OE sobre este tema também colocadas pelo Bloco de Esquerda: por um lado, o fim da isenção do IMT para Fundos de Investimento Imobiliário, por outro, criar todas as condições para a efetiva aplicação pelos municípios e finanças, do IMI a triplicar, aos proprietários que têm casas vazias (muitos deles são FII até agora isentos). Como a desculpa para tal não acontecer era a ausência de informação sobre devolutos, o Bloco propõe a obrigatoriedade de envio aos municípios por parte dos fornecedores de serviços de lista anual atualizada de frações sem contrato ou com baixos consumos. Talvez assim, os FII comecem finalmente a pagar alguma coisinha. No entanto, o seu papel no imobiliário e as consequências sociais deveriam ser questionadas.


1 Rodrigues, J., Santos, A.C., Teles, N. (2016) A financeirização do Capitalismo em Portugal. Coimbra, Conjuntura Actual Editora.

Sobre o/a autor(a)

Investigadora e ativista na Associação Habita
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