O almoço é por conta da casa

porAdriano Campos

09 de janeiro 2012 - 0:11
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A venda da EDP foi uma festança. A presença de Catroga descortina o outro lado da festa.

A venda da EDP foi uma festança. Mereceu uma cerimónia de assinatura bem cuidada, cheia de salamaleques, sorrisos largos e boa disposição. Na ansiedade de perceber até onde vai a generosidade chinesa os jornalistas atacaram à saída aquele que pensavam ser o presidente da Three Gorges – “e o BCP? E o BCP?”. O cidadão chinês respondeu com a diplomacia de um discurso redondo, impacientando os seus inquiridores, até que o repórter da RTP, espremido pelas câmaras, deu o alerta – “este é o embaixador, é o embaixador”, apresentando logo a desculpa – “como sabem as semelhanças são imensas”. O incidente não alterou o plano de festas e a comitiva Chino-Lusa ganhou o espaço do salão de almoço. Na mesa principal, onde António Mexia fazia de mestre-sala, um elemento estranho levantava o copo, dizem que atendia pelo nome de Eduardo Catroga. Hoje sabemos que o que aparentava ser uma escolha eclética nos convites resultou num encontro de velhos e novos amigos, com Catroga a ser anunciado para presidente do Conselho Geral da EDP. O almoço, afinal, era por conta da casa.

Na verdade a presença de Catroga descortina o outro lado da festa. Aquele da celebração íntima e intransmissível da direita portuguesa. Pois, mais do que os milhões e o reconforto de cumprir uma das missivas da troika, a venda da EDP conclui um processo histórico. Vinte e seis anos depois da primeira vitória de Cavaco Silva apenas 4% da EDP permanecem na posse do Estado (por pouco tempo). A reprivatização, como lhe chamam, está ganha. E nesse processo Catroga esteve sempre lá, atento, prestativo. Foi Ministro no Governo de Cavaco que alterou o estatuto da EDP de Empresa Pública para Sociedade Anónima e constituiu o grupo EDP, aceitou um lugar no Conselho Geral depois de Guterres e Durão Barroso terem submetido a empresa a cinco fases de privatização, e, em 2011, assumiu as rédeas laranjas das negociações com a troika que ditou a venda dos 21% que restavam, confirmando à letra essa intenção no programa eleitoral do PSD do qual foi o coordenador. Agora como presidente do Conselho Geral terá de lidar com acionistas que conhece bem, como é o caso do grupo Mello, do qual foi funcionário fiel na década de 60 e 70 e ao qual retornou como vice-presidente da Nutrinveste já em 2010. Como diz o provérbio chinês: “Lembra-te de cavar o poço bem antes de sentir sede”.

É um ciclo que se encerra, onde muitos perdem e poucos ganham, com uma EDP privatizada, rumo a uma desregulação completa do sector com “a eliminação progressiva das tarifas reguladas de eletricidade”1 acordada pelo Governo e a troika para Janeiro de 2013. Poderíamos, claro, perguntar qual o contributo do PS para esta história, sobre o que faz Pina Moura na Iberdrola, ou até quando continuará a promiscuidade nauseosa entre política e negócios mas, como sabemos, as semelhanças entre eles são imensas.


1 Comissão Europeia: The Economic Adjustment Programme for Portugal Second review - Autumn 2011.

Adriano Campos
Sobre o/a autor(a)

Adriano Campos

Sociólogo, dirigente do Bloco de Esquerda e ativista contra a precariedade.
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