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O Algoritmo dos despedimentos

Na TAP, é preciso que a visão dos trabalhadores prevaleça no processo de decisão estratégica da empresa, afastando “o algoritmo dos despedimentos” e do corte de direitos, enveredando-se por uma rota que crie inovação, valor e emprego.

A TAP anunciou a sua determinação em proceder a um despedimento coletivo de mais 206 trabalhadores.

As cartas que ditaram a escolha dos trabalhadores a despedir está a ser feita por um algoritmo criado pelo Boston Consulting Group (BCG), que, fundado por um vendedor americano de Bíblias em 1963, se tornou, com uma facturação de 8.500 milhões de dólares, um dos três maiores grupos de consultoria do mundo. Contam, na sua vasta carteira de clientes, Isabel dos Santos e Mohammed bin Salman, o príncipe regente da Arábia Saudita.

A BCG é a consultora escolhida para o processo de reestruturação da TAP. Os trabalhadores contestam “critérios errados e a má fundamentação” em todo o processo e uma manifesta violação do Regulamento Geral da Proteção de Dados, pois só é possível analisar o absentismo tendo conhecimento de dados protegidos dos trabalhadores.

Foi correto avançar para a nacionalização da TAP, num setor em grandes mudanças, com a liberalização do espaço aéreo e o aumento da concorrência, grande instabilidade no preço do petróleo e a emergência e disseminação das empresas low cost. Em plena crise pandémica, social e económica, a empresa sofreu com as opções políticas e a gestão privada. A TAP tem um papel estratégico a cumprir e um papel económico a assumir. Mas isso passa por assegurar um hub em Lisboa, contribuindo para a criação de emprego, valor e inovação.

O governo PS ultrapassou todas as “linhas vermelhas” no processo de reestruturação em curso. Declarando a empresa “em situação económica difícil”, suprimiu de uma penada todos os direitos constitucionais dos trabalhadores, pondo-os e aos seus representantes sindicais sob chantagem: ou acordo de emergência, ou regime sucedâneo*. Ao mesmo tempo, noticiava-se que a TAP tinha 83 milhões € em “custos do trabalho” para despedir ao longo do ano de 2021. O Acordo de Empresa e os direitos dos trabalhadores ficaram suspensos. Os salários tiveram um corte brutal, conforme a categoria ou profissão na empresa. Mais de três mil trabalhadores serão despedidos, de acordo com o plano de reestruturação enviado pelo governo PS à Comissão Europeia (CE). Só em contratos não renovados, serão 1.259 pessoas (entre janeiro de 2020 e março de 2021), a que acresce a redução de mais dois mil efetivos: 500 pilotos, 750 tripulantes de bordo, 450 da manutenção e engenharia e 250 trabalhadores de outras aéreas. “Tudo rescisões por mútuo acordo, ou então o cutelo do despedimento coletivo vem ao de cima”, como agora acontece com os 206 trabalhadores, se não rescindirem até julho.

À TAP, por ordens da União Europeia assumidas pelo governo PS, está a ser imposta um caminho (que é necessário inverter) que a coloca à mercê de um qualquer grupo europeu do transporte aéreo. Será o fim da TAP tal como a conhecemos. Esse é um risco que a empresa hoje enfrenta, decorrente do próprio processo de reestruturação. A TAP só será importante se mantiver uma dimensão apropriada, a todos os níveis, seja ao nível da frota, seja em recursos humanos.

Com a sujeição a Bruxelas, aos seus critérios orçamentais e às políticas do semestre europeu, corre-se o risco de se impor tamanhos cortes para aprovar o plano de reestruturação, que se acaba pondo em causa a viabilidade da empresa. O governo PS devia bater-se, sim, para que a capacidade da TAP não se reduzisse ao ponto da insignificância, caminhando para o seu fim. É preciso que a visão dos trabalhadores e dos seus representantes sindicais e da CT prevaleça no processo de decisão estratégica da empresa, uma visão com futuro, afastando o algoritmo dos despedimentos” e do corte de direitos, enveredando-se por uma rota que crie inovação, valor e emprego.

- É preciso resistir, criar, na TAP e para além da TAP, uma grande unidade dos trabalhadores, para que quem é atacado não fique isolado!

Nota;

* “Este diploma [da situação económica difícil] estabelece que este regime sucedâneo permanece em vigor pelo prazo de um ano, tendo a Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021, de 14 de janeiro, estabelecido já que os efeitos desta declaração se mantêm até 31 de dezembro 2021, podendo ser renovados por períodos iguais. A renovação deverá ser feita até 2024”, segundo notícia do ECO.

Sobre o/a autor(a)

Deputado municipal em Lisboa. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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