Estrutura é daquelas palavras que mais se ouvem na cena política. Como fomos vendo nos últimos anos, o governo, os partidos que têm estado no poder, a troika e os vários comentadores do establishment político, defendiam que Portugal precisava de “reformas estruturais”, “políticas estruturais”, um “ajustamento estrutural”, uma “mudança estrutural”, uma “consolidação estrutural” e muitas outras coisas estruturais. Não obstante o vazio destas expressões, houve pelos uma em que estes anos de austeridade acertaram em cheio: no agravamento da desigualdade estrutural. Isto é, a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres aumentou na mesma proporção em que aumentaram as políticas de austeridade do chamado “ajustamento da economia portuguesa”. Se não vejamos:
INE (2013), Inquérito às condições de via (adaptado) |
Em 2009, as 10 % de pessoas que em Portugal tinham maiores rendimentos ganhavam 9,2 vezes mais que as 10 % que tinham rendimentos mais baixos. Já nessa altura era um número impressionante. Mas quem pensasse que a crise afetaria todos os grupos e todas as classes de forma transversal estava redondamente enganado. A sociedade portuguesa empobreceu mas a diferença entre os 10 % mais ricos e os 10 % mais pobres disparou, sendo que em 2010 os mais ricos ganham 10,7 vezes mais que os mais pobres. Os anos de austeridade foram úteis para quem beneficia da desigualdade económica. E se olharmos para os 20 % mais ricos e os 20 % mais pobres, que diferenças notamos?
INE (2013), Inquérito às condições de via (adaptado) |
Aumentando o intervalo de 10 % para 20 % as diferenças de rendimento são mais baixas embora a tendência seja clara: em 2009 os 20% mais ricos ganhavam 5,6 vezes mais que os 20 % mais pobres, e em 2012 essa diferença já estava em 6 vezes mais. Como se percebe, o agravamento das políticas de austeridade e da profundidade da crise em Portugal, não nos fazem prever que em 2013, e atualmente em 2014, a tendência tenha sido inversa.
O problema de Portugal é este mesmo: a estrutura de desigualdade é persistente e arrasta-nos no atraso económico e social. Essa estrutura desigualitária é a génese desta economia sugada pelos interesses do capitalismo que precisa da desigualdade para se manter vivo. Estes anos de austeridade são a face mais visível disso mesmo: uma intensificação do empobrecimento generalizado sobre os mais pobres e a classe média, através de um ajustamento que intensificou a estrutura da desigualdade económica.
O capitalismo precisa da austeridade porque ela alimenta o seu principal instrumento de exploração e sobrevivência: a desigualdade. Sem a destruir, nas suas mais diversas facetas, Portugal não será um país viável.
Publicado no blogue Inflexão