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O 25 de Abril não acabou

Lembrar o 25 de Abril e o processo revolucionário, é recordar a atualidade das suas aspirações: a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Tudo dimensões da liberdade, de que tanta gente continua privada.

O 25 de Abril faz 44 anos. Uma idade madura, mas que ainda não igualou os 48 anos da mais longa ditadura fascista da história moderna. Meio século de um regime que sobreviveu graças ao controlo das Forças Armadas, à cooptação da burguesia monopolista, ao papel político-ideológico assumido pela Igreja Católica, à organização corporativa, à violência repressiva sobre toda a dissidência e à violência preventiva que policiava o quotidiano.

O 25 de Abril foi um golpe militar organizado pelos setores intermédios das Forças Armadas, a que o povo se juntou, ocupando as ruas, mesmo depois de ter sido desaconselhado a fazê-lo pelos próprios militares. Por isso, é preciso lembrar que a “patrimonialização” do 25 de Abril, bem patente nas “celebrações oficiais”, frequentemente esquecem o facto de ter sido o movimento popular que transformou o golpe numa revolução política, social, económica e cultural.

O 25 de Abril inaugurou a explosão de um movimento revolucionário através do qual o povo tomou o destino nas suas mãos. Se a terra é um bem da humanidade, porque não haveria de pertencer a quem a trabalha? Se havia tanta casa sem gente e tanta gente sem casa, porque não podiam as casas ser ocupadas? Se é quem trabalha que produz o valor dos produtos, porque é que o valor da sua venda não podia ser distribuído pelos/as trabalhadores/as? Se a banca é fundamental para a economia, porque deve ela continuar nas mãos de privados?

A estas perguntas, o povo português respondeu com um milhão de hectares de terra ocupados; com um movimento de ocupações de casa e de comissões de moradores; com um processo de autogestão de fábricas; com a nacionalização da banca e dos setores estratégicos da economia. Foi este movimento popular que conquistou a democratização, as liberdades, as férias pagas, o direito à greve. Ao contrário do que muita propaganda afirma, não houve democracia apesar da revolução, houve democracia porque houve uma revolução.

O processo revolucionário abalou a estrutura do poder. Daí ter sido atacado à bomba, como conta o jornalista Miguel Carvalho no seu livro “Quando Portugal Ardeu” (Oficina do Livro, 2017). Mas a derrota do processo revolucionário deu-se também pelo restabelecimento das grandes famílias oligarcas do tempo do fascismo nos setores-chave da economia - os Mello, os Champalimaud, os Espírito Santo. Famílias que muito beneficiaram das privatizações, da concentração bancária, dos monopólios estratégicos e das parcerias público-privadas que ocorreram desde o final da década de 80 até aos nossos dias.

Lembrar o 25 de Abril e o processo revolucionário, é recordar a atualidade das suas aspirações: a paz, o pão, a habitação, a saúde, a educação. Tudo dimensões da liberdade, de que tanta gente continua privada. Por isso, é preciso rejeitar o processo de “patrimonialização” em curso, que tenda a transformar o 25 de Abril numa data neutra. As privações da humanidade, a pobreza e as desigualdades mostram-nos, à exaustão, que muitas das aspirações pelas quais o povo lutou (a liberdade, o direito à terra, a gestão coletiva da propriedade, o direito à habitação, a paz, os serviços públicos universais…) não foram concretizadas e estão longe de ser alcançadas. A memória do 25 de Abril e do processo revolucionário lembra-nos que contra todas as probabilidades, é sempre possível mudar tudo. E não é pouco aquilo que temos para mudar.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e investigador
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