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Nunca foi falta de interesse

O futebol feminino não para de crescer, ao contrário daquilo que muitos desejaram.Nunca foi uma questão de falta de interesse, foi sempre uma questão de falta de visibilidade e de discriminação.

No passado dia 6 de julho, começou o campeonato europeu feminino de futebol. É mais um evento internacional em que podemos verificar que recordes continuam a ser batidos jogo após jogo e que se percebe que cada vez mais as pessoas estão rendidas ao futebol feminino.

Cada vez que as mulheres avançam na sociedade, a reação é também ela mais forte. Não demorou muito até vermos alguns reacionários a escrever artigos de opinião em jornais de direita, muito aflitos porque, vejam só, viram publicidade sobre este europeu num canal que se dedica ao desporto.

Entre argumentos estapafúrdios de que isto não passava da famosa ideologia de género em ação, surge a questão do porquê de até aos dias de hoje o futebol ter sido quase exclusivamente um jogo de rapazes. A resposta é simples: O futebol nunca foi quase exclusivamente um jogo de rapazes.

As mulheres sempre praticam este desporto, por muito que a sociedade patriarcal e machista tivesse tentado que tal não acontecesse. Há cerca de um século atrás, as mulheres enchiam estádios de futebol, coisa que durou pouco tempo porque uns senhores acharam que tinham o direito de impedir que estas praticassem este desporto, chegando mesmo ao ponto de em 1941, o então presidente do Brasil Getúlio Vargas, proibir as mulheres de praticarem esta modalidade. Porém, se há algo que as mulheres sempre souberam fazer muito bem foi resistir às imposições da sociedade patriarcal.

Posto isto, o futebol feminino não teve um caminho fácil para chegar onde chegou. Hoje já existe um maior investimento no futebol feminino, mas sabemos que ainda não é o suficiente quando há muitas profissionais que não conseguem pagar as contas ao final do mês com o salário que recebem e, as jogadoras de topo que recebem melhores salários, também elas falam constantemente de uma preocupação em relação ao seu futuro quando terminarem a carreira, o que leva muitas a ingressar em cursos superiores enquanto jogam. A questão salarial é um dos temas que mais dá que falar no meio do futebol feminino, por existirem prémios oferecidos pelas federações ou organismos como a UEFA e a FIFA, pagos em quantias díspares às seleções masculinas e femininas. Foi apenas a partir do ano passado que começamos a ver algumas federações a igualar os prémios que são pagos depois dos jogos ou competições internacionais.

Apesar de no futebol feminino existir um ambiente muito mais aberto e menos tóxico que no futebol masculino, sabemos que ainda existe bastante discriminação por parte da sociedade para com todas as atletas que praticam este desporto. Segundo a nova plataforma de monitorização de casos de abusos online da UEFA, só no jogo de abertura deste campeonato da Europa existiram 41 posts nas redes sociais abusivos que foram identificados. Destes 41 posts, 46% tinham conteúdo relacionado com sexismo, 44% era discurso de ódio e 10% era discurso homofóbico. 38% do conteúdo tinha como alvo principal o futebol feminino em geral, 31% uma equipa em específico e 31% tinha como alvo as jogadoras. Isto foi apenas aquilo que foi identificado por uma plataforma num só jogo, sabemos que o abuso a que estas atletas estão sujeitas é recorrente e que não acontece só nas plataformas online.

As boas notícias é que o futebol feminino não para de crescer, ao contrário daquilo que muitos desejaram. No dia 22 de abril deste ano, foi batido o recorde de maior assistência de um jogo de futebol feminino com 91.648 pessoas a deslocarem-se ao estádio de Camp Nou para verem o jogo da Champions League entre o Barcelona e o Wolfsburg. O jogo da abertura do Campeonato da Europa que decorre, também bateu o recorde de maior assistência num Euro logo no jogo de abertura entre a Inglaterra e a Áustria contando com 68,871 adeptos em Old Trafford. Espera-se que esse recorde volte a ser batido já este domingo na final entre a Inglaterra e a Alemanha que decorrerá no estádio de Wembley que tem uma capacidade de 90 mil espectadores. 

A nível televisivo não tem sido diferente. A semifinal entre a Inglaterra e a Suécia foi vista por 11 milhões de pessoas só no canal da BBC, no Reino Unido. Já na Alemanha, no jogo dos quartos de final contra a Áustria, 9.4 milhões assistiram ao jogo. No dia 10 de julho, 99.4% dos islandeses viram o jogo da sua seleção contra a Bélgica. O jogo da fase de grupos entre a Alemanha e Espanha foi o jogo de futebol feminino mais assistido de sempre em Espanha.

Se há algo que podemos retirar disto é que nunca foi uma questão de falta de interesse, foi sempre uma questão de falta de visibilidade e de discriminação. É certo que ainda há muito por fazer, mas o crescimento do futebol feminino nos últimos tempos só nos pode deixar esperançosos para o futuro.

Sobre o/a autor(a)

Mestranda em Comunicação Política na Faculdade de Letras do Porto, ativista feminista e dirigente do Bloco de Esquerda.
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