Em janeiro de 2003, Durão Barroso foi um dos oito subscritores – em que se contavam Aznar, Berlusconi e Blair – de uma carta aberta que, a propósito do alinhamento com Bush e Rumsfeld na guerra no Iraque, dividia explicitamente a Europa entre “velha” e “nova”, sendo esta a que via na coligação da guerra a materialização de um novo eixo político sendo a “velha Europa” estigmatizada por sustentar uma posição autónoma e crítica do diktat oriundo de Washington.
É bem sabido que a coligação da guerra foi o rosto beligerante da hegemonia neoliberal que vinha ganhando terreno na Europa e no mundo. Não deixa, por isso, de ser significativo que seja de novo num momento de afirmação da hegemonia neoliberal na Europa que os seus governos, unidos no essencial, se dividem na intensidade da obediência ao credo liberalizador e uma vez mais tendo como pomo de discórdia o alinhamento com os Estados Unidos.
Desta vez, a carta da divisão foi a propósito da Parceria Transatlântica para o Comércio e o Desenvolvimento (TTIP). 14 governantes europeus vieram à boca de cena reivindicar a pertença dos seus países a uma “nova Europa” reeditada, definida agora pela sua militância a favor da penalização dos Estados, por tribunais de arbitragem ad hoc, pela aprovação de legislação que seja considerada pelas multinacionais lesiva das posições que a parceria de livre comércio lhes oferece. Para os 14 arautos do remake da nova Europa, essa coisa de os Estados terem poderes legislativos e judiciais soberanos é um atavismo. Durão Barroso viu na guerra contra o Iraque o mesmo que Bruno Maçães vê agora na guerra contra os parlamentos e os tribunais nacionais: o elixir da juventude para uma Europa que, enfim, se liberta dessa tralha chamada superioridade da lei face às estratégias de lucro das empresas.
Maçães agora, como Barroso há 11 anos, mostra com clareza que a desconstrução europeia é verdadeiramente a sua visão para a Europa. “Para Portugal a questão crucial é eliminar a nossa desvantagem competitiva na área do investimento”. Pois. Baixa-se o IRC, dá-se uma baixa da TSU como contrapartida dos 19 euros de subida líquida do salário mínimo nacional e sinaliza-se que podem contar com o Governo para responsabilizar os governos que vierem a seguir e anularem, em curto-circuito aos tribunais, as leis que eles vierem a aprovar . Ele há lá melhores amigos dos investidores? A velha Europa de Junker e de Merkel que se cuide: está aí Bruno Maçães, paladino da nova Europa.