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No reino do Far, Far Away
A perplexidade deveria, no entanto, ter começado aquando da nomeação de Boris Johnson, mentiroso comprovado, que ainda assim sobrevive de reputação intacta, emergindo como salvador d folclore local, numa monarquia onde importam os costumes e nao as pessoas.
A fratura na sociedade resultante do referendo, que teve em Boris um dos principais impulsionadores, continua a ter efeitos num dia-a-dia cada vez mais confuso.
E mais do que a paródia que entretém comentadores, deveria haver uma real preocupação com um processo pejado de vítimas, que não o escolheram ser.
Não nos enganemos: como vociferando pelos resultados das eleições para o Parlamento Europeu, o voto no Brexit continuaria a ganhar. O brilho cintilante de Londres esconde um Reino Unido cada vez mais empobrecido, com menos empregos e um custo de vida galopante, onde a segregação dos imigrantes, transformados em verdadeiros bodes escapatórios, cresce robustamente.
O Brexit (ou o complexo marasmo em que se tornou) é hoje uma forma de desviar as atenções face a um Estado Social cada vez mais dilapidado, especialmente um serviço nacional de saúde, jóia mais brilhante da coroa, desmantelado ao serviço de interesses privados e com capacidade de resposta cada vez mais limitada.
Neste imbróglio, sobrevivem os imigrantes, que não só sofrem com a degradação das condições de vida como, ao mesmo tempo, são culpabilizados.
A distância a partir da qual se observa esta novela trágica britânica é, no caso dos emigrantes portugueses, a mesma distância da qual está a solução destes problemas. Um link num fundo de uma qualquer página governamental, ou o apoio consular que roça o anedótico, são as poucas tábuas de salvação num processo em que ninguém parece ter direção alguma.
Ouvimos com circunstância anunciar vias prioritárias para turistas britânicos em Portugal, mas não notamos prenúncio algum sobre finalmente haver um apoio digno com serviços consulares que não embaracem o País, sobre fundos de pensão que estão já reféns em terras britânicas, ou sobre planos de apoio à relocalização.
Continuam os emigrantes a ser cidadãos de parte alguma, empurrados pelo seu país quando querem resolver algum assunto (literalmente tantas vezes em palavras ásperas de funcionários exaustos ou ausência total de recursos mínimos), e empurrados pela nação que, mais do que os acolher, deles se aproveita e pouco mais.
Como ficam os fundos de pensão dos que trabalharam anos no Reino Unido? Alguém já se debruçou sobre a problemática dos mesmos terem de ficar retidos até a idade da reforma, ainda que decidam voltar a Portugal, por regras impossíveis e dúbias na sua legalidade? Como ficam todos aqueles que não conseguem sequer atualizar documentos de identificação ou registar filhos? E os direitos dos que escolhem ficar e veem-se obrigados a um processo burocrático que cada vez mais se descobre deficiente e propositado a dificultar ao invés de facilitar a permanência.
Como ficam aqueles que, procurando resposta para as suas preocupações, são impedidos de entrar no seu consulado, mesmo que tenham de percorrer distâncias imensas, porque não conseguem uma marcação impossível. É necessário marcação para ser português?
Mais do que a paródia num país cujos políticos ainda vivem na época colonialista e a monarquia cumpre papel de atração turística, mais do que a apreensão pelo galopar de autoritarismos nas democracias do Ocidente, haja a decência de lembrarem-se que desta tragédia resultam vítimas sem escolha. Vítimas que têm direito a ser portugueses ainda que residam neste reino Far Far Away.
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