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No final da vida, a pessoa deve poder escolher

Chegou a hora da decisão. A minha expectativa é que a maioria do Parlamento corresponda à que é claramente a maioria no país, uma maioria favorável à despenalização.

Há dois anos, na edição de 6 de fevereiro, o Expresso divulgava o Manifesto “Direito a Morrer com Dignidade”, subscrito por cem figuras públicas, que lançou na sociedade portuguesa um intenso debate em torno da despenalização da morte assistida. Não me recordo de muitos outros temas que tenham suscitado tanta discussão. O que explica tanto interesse é a consciência muito generalizada de que se morre mal em Portugal: há demasiadas mortes inutilmente sofridas, degradantes e desumanas.

Agora, o debate terá o seu centro no Parlamento mas isso não dispensa os cidadãos de continuarem a fazer ouvir a sua voz. E será seguramente um debate muito diferente daquele que temos tido até ao momento. Com projectos concretos em cima da mesa, o extremismo conservador terá mais dificuldade em prosseguir a sua campanha de mentiras e de terror em torno do que se verifica nos países que seguiram a via da legalização. O debate vai impedir que o medo ocupe o lugar da razão.

A aprovação do projecto de lei do Bloco de Esquerda permitirá a uma “pessoa maior”, com “lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável” requerer a antecipação da sua morte, correspondendo a “uma vontade livre, séria e esclarecida”, devendo a pessoa ser “capaz de entender o sentido e o alcance do pedido e estar consciente no momento da sua formulação”, o que exclui taxativamente o recurso à morte assistida por menores e por doentes mentais ou a pedido ou por “pressão” de familiares ou amigos.

Aliás, “é obrigatório o parecer de um terceiro médico, neste caso especialista em Psiquiatria, eventualmente com a colaboração de um psicólogo clínico” sempre que pelo menos um dos dois médicos envolvidos no processo “tenha dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte” ou “admita ser a pessoa portadora de perturbação psíquica que afecte a sua capacidade de tomar decisões”.

O pedido pode ser “livremente revogado a qualquer momento”, inclusive “imediatamente antes de se iniciar a administração ou auto admnistração dos fármacos letais”, para além dos cinco outros momentos previstos no projeto de lei em que essa vontade deve ser reiterada.

Só por desonestidade intectual ou fanatismo se pode continuar a agitar os fantasmas e os medos do que aconteceu em alguns países que legalizaram a morte assistida. A lei proposta pelo Bloco de Esquerda teve em conta essas experiências, não para as copiar mas, precisamente, para evitar más soluções.

Finalmente, “nenhum pedido de antecipação da morte poderá ser realizado sem a prévia emissão de parecer favorável da Comissão de Avaliação”, parecer que ”incide sobre a conformidade do procedimento com as condições estabelecidas na lei” e que “deverá ser dado no prazo de 24 horas” pela Secção Permanente daquela Comissão.

O projecto do Bloco respeita a vontade do doente e garante o escrupuloso cumprimento das regras. Ninguém será compelido ou obrigado mas, também, ninguém será proibido se for essa a sua vontade e cumprir os requisitos inscritos na lei.

Chegou a hora da decisão. A minha expectativa é que a maioria do Parlamento corresponda à que é claramente a maioria no país, uma maioria favorável à despenalização.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 10 de fevereiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
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