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No Ensino Superior, o Governo não aprendeu nada

As condições objetivas dos jovens que pretendem ingressar no Ensino Superior mantêm-se inalteradas. Apesar dos sucessivos esforços da esquerda, a aliança ideológica entre o PS e a direita tem vindo a servir de travão a novas políticas transformadoras.

Novo ano, novo Orçamento. A rotina da pen repete-se incansavelmente nos corredores do parlamento. E tal como o seu movimento, também o seu conteúdo parece eternizar-se de ano para ano. O “orçamento dos jovens”, como anunciou António Costa, muda tudo para, no essencial, não alterar nada.

As propinas das licenciaturas mantêm-se, assim como a desregulação das propinas de mestrado. O subfinanciamento crónico é, por estes dias, “chutado para canto”. A saúde mental dos estudantes, a falta de residências a preços acessíveis, a discriminação institucional em relação aos Estudantes Internacionais, a precariedade na investigação ou o Regime Fundacional serão, nos próximos dias, meros faits divers que, em momento algum, irão perturbar a “Terra dos Sonhos” anunciada pelo Primeiro-Ministro. Afinal de contas, o orçamento nunca nos deixará ficar mal. Só há um problema: esta cantiga, “repetida ao expoente da loucura”, começa, após alguns anos de governação, a chocar em demasia com a realidade.

As condições objetivas dos jovens que pretendem ingressar no Ensino Superior mantêm-se inalteradas. Apesar dos sucessivos esforços da esquerda, a aliança ideológica entre o PS e a direita tem vindo a servir de travão a novas políticas transformadoras. Esta aliança, não declarada mas latente, materializa-se no mais recente Orçamento de Estado.

Este documento, assim como as iniciativas legislativas apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PS, recusam-se a alterar o RJIES vigente, contribuindo para uma progressiva desvirtuação do papel do Estado no financiamento das instituições de Ensino Superior. Este modelo, nomeadamente o Regime Fundacional - transportado diretamente dos quartéis da “terceira via” - visa a transformação da academia numa fundação pública com regime de direito privado. Esta perversão estrutural do papel do Estado, a que temos assistido ao longo dos últimos anos, conduz à transformação do Ensino Superior num catavento dos rumos que o mercado decide tomar.

Como jovem que sempre estudou na escola pública e que agora frequenta uma Universidade pública, preocupa-me que o ministro que tutela esta pasta possua uma visão política que entra em contradição clara com os valores constitucionais a ela atribuídos. Um ministro cuja ação política acompanha o entendimento da liberdade do mercado enquanto dimensão máxima e inalienável da democracia é alguém que nunca conseguirá entender que a nossa libertação coletiva (e simultaneamente individual) se constrói através de regimes de estabilidade laboral, e não através de um modelo científico que funciona como promotor da precariedade dos investigadores. Um ministro que entende que o mundo empresarial deve ter um papel representativo mais relevante que o papel atribuído aos estudantes nos órgãos das Universidades é um ministro que pretende domesticar a voz daqueles que exigem do Estado o cumprimento integral dos seus direitos, exponenciando a influência daqueles que, vivendo de um modo rentista, vão aumentando o monopólio de poder exercido sobre os assuntos pertencentes à esfera do interesse público. E, se um ministro que defende tais bandeiras representa interesses antagónicos aos dos estudantes, também um governo que integra um ministro com esta matriz merece, da nossa parte, a mais veemente condenação.

Se os acordos à esquerda, iniciados em 2015, trouxeram, para os estudantes, consideráveis - embora limitados - avanços, então tal facto deve-se à intransigência da esquerda na defesa dos seus interesses e na relativa abertura do PS a tais avanços. Agora, alguns anos após a instauração desse histórico acordo, impera que o PS abandone a atitude hostil e arrogante com a qual tem tratado a esquerda e compreenda que, por muito que lhes custe, foi a esquerda e não o PS quem, em 2019, obteve uma maioria parlamentar. Esclarecendo isto, resta perguntar: em matéria orçamental, de que lado está o PS? Do lado da maioria de esquerda escolhida pelo povo português ou do lado daqueles que, até 2015, desmembraram os serviços públicos e venderam o país a custo de saldo?

No Ensino Superior, o Governo parece não ter aprendido nada.

Sobre o/a autor(a)

Estudante de graduação em Biologia na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e ativista
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