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Nem mais um cêntimo para o Novo Banco

A Assembleia da República devia garantir que não entra nem mais um cêntimo no Novo Banco, sem que seja conhecida a auditoria às suas contas e ao tratamento dos créditos provenientes do BES. O Bloco apresentará essa proposta.

Esta manhã, na Comissão de Orçamento e Finanças, o Presidente do Fundo de Resolução revelou que prevê uma nova injeção no Novo Banco no valor de 1.037 milhões de euros em 2020.

Repito: 1.037 milhões, que se somam aos 1.149 milhões de 2019 e aos 792 milhões de 2018: um total de 2978, quase 3.000 milhões de euros entregues ao acionista privado do Novo Banco desde a sua venda em 2017.

 

Passaram 19 dias desde o fim da discussão do Orçamento do Estado. A redação final ainda não saiu do Parlamento, o diploma ainda não foi promulgado pelo Presidente da República, e já se abriu um buraco de 400 milhões de euros.

O sr Ministro das Finanças deve explicar ao Parlamento e ao país por que é que o Governo inscreveu no orçamento que o Novo Banco teria um impacto nas contas públicas de 600 milhões e, afinal, esse efeito será de 1.037 milhões de euros. A diferença são 437 milhões que o governo terá de compensar com mais receita ou menos despesa para terminar o ano com o seu almejado excedente orçamental. De resto, o mesmo aconteceu já no ano passado. Em 2019, as contas públicas pagaram ao Novo Banco mais 749 milhões que o previsto e o défice ainda ficou abaixo do esperado.

A manobra não é nova e, sabendo disso, o Bloco de Esquerda confrontou repetidamente o Ministro das Finanças no debate orçamental sobre a irrazoabilidade das suas previsões. Mário Centeno tinha então obrigação de saber que as necessidades de capital do Novo Banco iriam superar em muito o valor previsto no Orçamento.

Ao não ajustar as previsões, o Governo prejudica duplamente os contribuintes: por um lado, pela injeção que virá a ser feita diretamente pelo tesouro no Fundo de Resolução e, por outro, pelas consequências de uma redução adicional de 400 milhões feita às custas de despesas em serviços públicos.

Do total de 1.037 milhões que se prevê injetar no Novo Banco e que serão registados no saldo orçamental, 850 milhões virão diretamente de um empréstimo do Tesouro Português.

Esse empréstimo aumenta substancialmente os encargos do Estado com a banca privada e por isso deveria ser debatido e votado na Assembleia da República. Mas isso não acontecerá. Isto porque a proposta do Bloco que a isso obrigava foi chumbada no Orçamento do Estado com os votos contra do PS e do PSD. Ao fazê-lo, o PSD deu carta branca ao Governo para injetar fundos no Novo Banco até 850 milhões, o que acontecerá em breve.

 

Desde a Resolução, em 2014, até ao final de 2019, o Estado já destinou 5.800 milhões de euros para pagar a falência do BES e financiar o Novo Banco.

Destes, 3.900 milhões foram injetados pelo Governo de PSD e CDS em 2014, quando a ministra Maria Luís Albuquerque garantia que, e cito, “a solução de financiamento encontrada salvaguarda o erário público”. E que se estava a criar “um novo banco, com capital e liquidez adequados”.

Depois disso, veio o ministro Mário Centeno garantir ao país que a venda ao fundo privado Lone Star era a melhor solução, e que, e cito, “não haverá garantias de Estado no Novo Banco”. Mas houve mesmo, no valor de 3.900 milhões, e o Novo Banco está a sugá-la até ao fim em benefício do seu dono - o fundo Lone Star.

E isto sem contar as injeções de capital a fundo perdido que o Estado já fez no Novo Banco por conta do obscuro mecanismo dos Ativos Por Impostos Diferidos.

 

Em todo este debate, que se prolonga há anos, só houve uma proposta alternativa para resolver o problema do Novo Banco, que era a sua manutenção na esfera pública. Essa proposta, que foi trazida a votos pelo Bloco de Esquerda, não apagava milagrosamente os custos da falência do BES, mas assumia um princípio básico: se o Estado paga então o Estado manda. Essa alternativa foi recusada, mais uma vez, por PS, PSD e CDS. E por isso aqui estamos, na situação aberrante de ter um acionista privado a gerir uma carteira de ativos garantida pelo Estado. E por isso lemos as notícias das tentativas de venda de carteiras de ativos ao desbarato, sobre conflitos quanto às normas contabilísticas a adotar pelo Novo Banco que podem custar mais ou menos 200 milhões ao Estado; e até sobre a possibilidade de uma injeção única que esgote de uma só vez a garantia dada pelo Estado ao Novo Banco. No fim, só temos uma certeza: todas estas operações servirão para limpar o balanço do banco que o fundo Lone Star quer vender, com lucro, o quanto antes.

Na lista de créditos mal parados que transitaram para o Novo Banco estavam as dívidas da Fundação Berardo, do Sporting, da Ongoing, do Grupo Mello, de Luís Filipe Vieira, de João Pereira Coutinho, ou da família Moniz da Maia.

Ninguém respondeu por estes calotes dos amigos de Ricardo Salgado e hoje o país impacienta-se à espera da acusação e julgamento dos administradores responsáveis por estas e outras operações que levaram o BES à ruína, a começar pelo próprio Ricardo Salgado.

Mas uma coisa a Assembleia deveria garantir: que não entre nem mais um cêntimo no Novo Banco sem que seja conhecida a auditoria às suas contas e ao tratamento dos créditos provenientes do BES. O Bloco apresentará essa proposta e esperamos que, ao contrário do que aconteceu no Orçamento do Estado, desta vez ela seja aprovada.

Declaração política de Mariana Mortágua, na Assembleia da República a 26 de fevereiro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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