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Nein na cara de Macron

O debate europeu não pode estar dependente dos "neins" de Merkel e Schäuble, porque ninguém os empossou "senhores do império".

A União Europeia está enguiçada. Não só o brexit criou um fosso maior do que o canal da Mancha como se generalizou a ideia de que a cada eleição nacional Bruxelas fica com coração nas mãos. Mas a cada abanão ultrapassado o contador volta a zero: nada muda. Até à próxima crise, business as usual.

As eleições francesas foram apenas o episódio mais recente desta série. A vitória do salvador Emmanuel Macron contra o monstro Le Pen limitou-se a dar mais um balão de oxigénio à Europa do diretório.

Agora que inicia o seu mandato, Macron fez a habitual visita a Berlim, seguindo fielmente as pegadas de Nicolas Sarkozy e François Hollande. Na mala levava um conjunto de promessas que, apesar de manifestamente equívocas, fizeram soar as trombetas da refundação europeia. O rol de propostas incluía a governação europeia, a existência de um euroministro das Finanças e a criação de um orçamento comum, os mesmos sonhos de Hollande, o paraíso dos federalistas, com o sucesso que se conhece.

A campanha de Macron não deu resposta a várias perguntas óbvias sobre este plano. Até o moderadíssimo Jean-Claude Juncker já questionou os poderes de um putativo ministro das Finanças europeu: "Teria o direito de alterar os orçamentos nacionais? Poderia interferir nas escolhas orçamentais aprovadas pelos parlamentos de cada país?"

Será afinal a proposta de Macron menos democracia e soberania? Tudo indica que sim. E no que toca ao orçamento comum? Macron não fica muito distante do que estamos habituados a ouvir: "Sejamos realistas: eu aceito o princípio moral de que cada um é responsável pela dívida que contraiu." O odioso Dijsselbloem subscreve esta afirmação de cruz.

Se antes das eleições subsistiam dúvidas sobre as propostas europeias do atual presidente francês, a ida a Berlim resolveu o assunto. Nos dias anteriores à visita, já Schäuble avisava que a Alemanha não ia ceder um milímetro no seu projeto para a União Europeia e, em particular, para a zona euro. O "nein" de Angela Merkel foi mais polido e diplomático, mas nem por isso menos firme. O resultado? A mala em que Macron levava a refundação europeia regressou vazia ao Palácio do Eliseu.

As promessas de Macron viraram uma mão cheia de nada. Em cima da mesa ficou apenas a esmola de Berlim a Paris: em troca da redução dos direitos laborais e cortes nos serviços públicos, o incumprimento francês aos limites do défice público continuarão a não ser um problema. "Porque é a França", dirá, uma vez mais, a Comissão Europeia quando responder à dualidade de critérios sobre a aplicação de sanções. "O velho mundo está de volta", disse Jean-Luc Mélenchon sobre as escolhas ministeriais de Macron. Bem podemos dizer o mesmo sobre o resultado do pedido de bênção a Merkel.

Ainda Macron não tinha dito a Merkel ao que ia e já aqui ao lado Mariano Rajoy conseguia mostrar mais assertividade nas propostas europeias. Não fugindo ao guião federalista, Rajoy propôs a criação de eurobonds - Macron tinha rejeitado a mutualização de dívida passada, apenas admitindo essa possibilidade para a dívida futura - e a existência de um subsídio de desemprego europeu, para lá da insistência num orçamento comum e na governação económica europeia. Este plano devia ruborescer Macron e questionar a sua subserviência ao eixo Berlim-Paris.

O primeiro-ministro António Costa também devia corar por ter sido ultrapassado na ousadia por Rajoy. Para um país como Portugal, que tem uma dívida pública a rondar os 130% do PIB, é de estranhar que deixe aos outros a luta pelas eurobonds e o debate sobre a refundação da zona euro. A falta de audácia não é uma fatalidade, antes uma escolha política e bem que podia (e devia) ser diferente.

O debate europeu não pode estar dependente dos "neins" de Merkel e Schäuble, porque ninguém os empossou "senhores do império". Tão-pouco deve ficar pelas propostas federalistas que diminuem a democracia e a soberania dos Estados membros. Os tratados europeus são sinónimo de austeridade económica e de muros nas fronteiras: não estão a construir a União Europeia, antes pelo contrário, minam a solidariedade entre os povos e a ideia de um projeto europeu. São, na verdade, o pântano do crescimento da extrema-direita e o catalisador da desagregação.

Portugal deve ser uma voz insubmissa neste debate. A Europa de que precisamos constrói-se contra os atuais tratados, na luta pela distribuição da riqueza e na valorização dos direitos laborais, pela universalidade do Estado social e com serviços públicos de qualidade.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” em 18 de maio de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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