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Nas asas do privado
Num passado recente fui a território continental através da nossa companhia aérea. A SATA, que é, e deveria ser sempre, de todas e de todos os açorianos. Ainda antes de entrar no avião fui acometida por um acesso de saudades. É que a nossa SATA vai passar a ser a SATA deles, até ao seu possível desaparecimento.
Um projeto da direita portuguesa, agora devidamente apoiado pela extrema-direita e IL, parceiros na precarização da vida.
Quando recebi aquela pequena caixa com a refeição ligeira, senti um arrepio. Ali, escrita na tampa, estava a estória de uma antiga lenda da ilha do Pico. Não pude deixar de imaginar que aquela caixa seria, muito em breve, uma memória perdida do passado do nosso arquipélago e da nossa autonomia. Depois da privatização, a refeição passa a ser paga, como o é nas companhias privadas. A caixa que recebi tornar-se-á uma espécie de artefacto arqueológico de um passado perdido, de quando as pessoas ainda podiam orgulhar-se de ter uma companhia aérea regional e pública. Imaginei que no futuro as caixas das refeições vão passar a contar a lenda da nossa SATA. Vão falar de um conjunto de trabalhadoras e trabalhadores que tudo fizeram para acolher bem as e os seus passageiros, mas não conseguiram sobreviver ao peso do lucro e da má gestão de sucessivos erros estratégicos. A SATA vai desaparecer, e nós ficaremos mais pobres por isso mesmo.
Bolieiro, enquanto candidato e em campanha, num género de carta às e aos açorianos, defendia uma SATA pública, para 18 meses depois ter classificado a privatização de 51% como “virtude”.
O que Bolieiro e seus parceiros (PSD, CDS, PPM, IL e chega) não explicam devidamente (porque lhes dá jeito) é que a entrega desses 51% aos privados vai sem dívida. Ou seja, a dívida da SATA continua a ser paga pelas e pelos contribuintes. Portanto, é falsa a ideia de que a dívida desaparece, continuamos com o tal euro a menos na carteira. Só que neste caso, são muitos milhares de euros, em lucro, que damos ao privado.
As e os residentes nas ilhas mais pequenas e sem “porta” direta de saída para o exterior da região, sentirão muitas mais dificuldades em conseguir voos de ligação que lhes permita chegar, por exemplo, a Lisboa sem ter de pernoitar na Terceira ou São Miguel. Nenhum privado delineia rotas e horários, pensando nos menos de 100 passageiros que Flores, Corvo, Graciosa e São Jorge possam querer viajar no dia X.
Faial, Pico e Santa Maria têm as tais “portas” diretas de saída para o exterior (Gateways), mas não sendo estas liberalizadas, nas mãos do privado, das duas uma: os preços encarecem de forma a dar lucro à empresa ou serão mais 3 ilhas em que as e os seus residentes terão de ir à Terceira ou a São Miguel para se deslocarem para o exterior.
As incoerências deste governo seguem-se e neste capítulo temos a diáspora. Têm sido realizadas viagens, reuniões, contatos e mais viagens para o aprofundamento das relações com a diáspora, filhos e netos da mesma, no entanto, o fim da SATA enquanto companhia pública, é, também, um mau sinal que se dá à diáspora que se pretende captar.
Ninguém acredita que o privado que pegar na SATA manterá o mesmo número de pessoas empregadas...o que acontece a estas pessoas? Como pretende o Governo encobrir futuros despedimentos?
Devido a erros estratégicos e à falta de vontade deste governo perderemos a nossa companhia aérea pública. Depois da machadada no transporte marítimo de passageiros e viaturas chegou a vez do transporte aéreo.
De facto, não vamos longe com a direita, pois acima de qualquer residente nestas ilhas está o lucro dos privados.
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