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Não há razão para alarme

A diferença, talvez a única, dos escândalos financeiros recentes em relação ao que se passava há uns anos é que agora não escandalizam, são o nosso normal.

O certo é que não tem havido tanta notícia escabrosa. Um banqueiro que trabalhava com o Vaticano e pertencia a uma loja maçónica famosa e que aparece enforcado numa ponte de Londres dava um filme policial, mas já foi há uns anitos. O Barings, fundado em 1762, que tinha a rainha como cliente, foi afundado por um seu agente em Singapura, mas foi há um quarto de século. O Lehman Brothers, uma respeitabilíssima instituição histórica nos EUA, faliu com uma dívida colossal, mas foi há dez anos...

Agora tudo parece banal — mas não é por falta de notícias. Investiga-se se a filial de Talin, na Estónia, do Danske Bank, dinamarquês, procederia a lavagem de duvidoso dinheiro russo e descobre-se o rasto de 200 mil milhões entre 2007 e 2015. A sucursal fechou, o banco responde à Justiça. O Nordea, finlandês, está a braços com acusação parecida, como outros bancos na Áustria e na Alemanha. Na Índia houve uma corrida aos depósitos no Banco Cooperativo de Punjab e Maharashtra quando foram descobertas 21 mil contas falsas, usadas para manipular a conta do banco; foram presos alguns dirigentes e seus familiares. No Crédit Suisse, um banqueiro, que se demitira de chefe do Departamento de Fortunas, descobriu que estava a ser seguido por ordem dos seus anteriores empregadores. Demite-se o chefe de segurança e o diretor de operações, com justificações atrapalhadas — não é banal que as operações secretas da eficiente banca suíça venham para a praça pública.

Vamos agora aos Estados Unidos. O Wells Fargo, um gigante, aceitou em 2016 uma multa de 185 milhões e despediu 5300 funcionários, que teriam criado dois milhões de contas falsas, aparentemente para conseguirem bónus. Na Europa, cai a nódoa no melhor pano: no Vaticano, que surpreende sempre quando toca a contas secretas, a polícia local fez buscas na Autoridade de Informação Financeira e na Secretaria de Estado do Vaticano, tendo sido suspensos cinco funcionários, incluindo o diretor da Autoridade. Esta tinha sido criada para evitar escândalos e para garantir que o banco do Vaticano, o IOR, se comportaria adequadamente. Ora, eis que se revelam contas suspeitas e grandes aplicações imobiliárias em Londres, pouco justificáveis. Cai o diretor da agência e voltamos ao pandemónio dos segredos obscuros.

Finalmente, o maior banco europeu, o Deutsche Bank. Pagou em 2016 uma multa de 60 milhões de euros para evitar um processo por controlar o preço do ouro, foi investigado por ser um dos bancos a manipular a taxa da Libor, e a Justiça entrou em alerta quando se descobriram as “transferências em espelho”. O “New Yorker” explicava em 2016 como isso se fazia: “Entre 2011 e 2015, um corretor russo, Igor Volkov, dava instruções diárias à filial de Moscovo do Deutsche Bank, para duas operações simultâneas: usar rublos para comprar ações de uma empresa cotada internacionalmente, por exemplo a Lukoil, em nome de uma empresa russa que controlava; na segunda operação, Volkov, agora em nome de outra empresa registada numa offshore, como as Ilhas Virgens britânicas, comprava as mesmas ações, pagando em dólares, chegando a 10 milhões por dia.” Ambas as empresas tinham o mesmo dono, e o banco ajudava a vender e a comprar ao mesmo cliente. O total chegou a 10 mil milhões de dólares de lavagem de dinheiro. Três funcionários foram suspensos quando se descobriu o esquema.

A diferença, talvez a única, em relação ao que se passava há uns anos é que agora o escândalo não escandaliza, é o nosso normal.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 9 de novembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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