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Não esquecer as mulheres de Rana Plaza, Bangladesh

Em 24 de Abril de 2013, o Bangladesh foi notícia pelas piores razões. Vamos ver o que aconteceu, depois que o clamor da tragédia foi arrefecendo e as imagens do pavor se foram apagando da nossa retina e da nossa memória.

Em 24 de Abril de 2013,o Bangladesh foi notícia pelas piores razões. O edifício Rana Plaza em Dhaka, capital do Bangladesh, já antes referenciado por estar em risco, colapsara. Nos seus oito andares albergava cinco fábricas de roupa, onde milhares de pessoas, sobretudo mulheres, trabalhavam de forma intensiva e a baixíssimo custo. No fim foram contabilizados 1138 mortos, mais de 2 mil feridos e muitas pessoas incapacitadas de forma permanente. Repito, a grande maioria destes mortos, feridos e permanentemente incapacitados eram/são mulheres.

Os sindicatos e organizações do Bangladesh entre as quais a Marcha Mundial das Mulheres decidiram este ano assinalar esta data para que não caia no esquecimento e em 2015, a Marcha Mundial das Mulheres, por ocasião da sua 4ª Ação Global, instará as suas ativistas em todo o mundo a assinalá-la com 24 horas de Solidariedade Feminista

Desde logo, os sindicatos e organizações do Bangladesh entre as quais a Marcha Mundial das Mulheres decidiram este ano assinalar essa data para que não caia no esquecimento e em 2015, a Marcha Mundial das Mulheres, por ocasião da sua 4ª Ação Global, instará as suas ativistas em todo o mundo a assinalar esta data trágica através de 24 horas de Solidariedade Feminista. Assinalar pelo que significa: exploração desenfreada, ausência de direitos e de condições de trabalho e chamada de atenção dos/as consumidores/as para a outra face do mundo que produz aquelas roupas que enchem as montras e os escaparates das catedrais do consumo que nascem como cogumelos nas cidades de todo o mundo, os shoppings a que vaidosamente alguns autarcas do nosso país chamam as "novas centralidades".

Mas vamos ver o que aconteceu, depois que o clamor da tragédia foi arrefecendo e as imagens do pavor se foram apagando da nossa retina e da nossa memória. Um acordo de 15 de Maio que não previa as indemnizações das vítimas de 24 Abril, apontava no entanto para outros incidentes anteriores englobando o controlo de incêndios e a segurança dos edifícios. Este acordo seria formalizado nos 45 dias após a sua assinatura e seria financiado pelas empresas subscritoras. Para responder ao colapso do edifício Rana Plaza, patrocinado pela OIT, constituiu-se um Comité de Coordenação de Rana Plaza integrando o governo do Bangladesh, os sindicatos, as empresas fabricantes da indústria têxtil e a Clean Clothes Campaign, tendo chegado a um acordo final em Dezembro de 2013 para a criação de um fundo de compensação – Donor Trust Fund – às vítimas e às famílias que as ressarcisse não só pelas perdas de vidas e de salário mas também que respondesse às despesas médicas resultantes do desastre. Do montante estimado de 40 milhões de dólares americanos, até ao momento, ou seja, um ano depois da catástrofe, só um terço dos fundos foi recebido e só metade das marcas associadas às fábricas que colapsaram deram alguma contribuição.

Assinalar a data trágica significa apontar: exploração desenfreada, ausência de direitos e de condições de trabalho e chamada de atenção dos/as consumidores/as para a outra face do mundo que produz aquelas roupas que enchem as montras e os escaparates das catedrais do consumo

Está a correr na internet uma denúncia e ação de sensibilização popular para que essas empresas – Benetton, Carrefour, Mango, Walmart, El Corte Inglés, Auchan, para referir apenas algumas – paguem por completo aquilo com que se comprometeram – PAY UP – e que não se fiquem só com a 1ª prestação, mas que paguem todas as prestações – Installments – até ao fim! Shila Begum uma trabalhadora que sobreviveu à tragédia e que nunca tinha saído do Bangladesh, está na Europa com uma sindicalista do sector, alertando as autoridades para a tragédia e para os dramas que daí resultaram e que não podem cair no esquecimento. Num vídeo legendado em inglês, uma trabalhadora sobrevivente cujo filho e filha morreram na tragédia disse que o patrão, a propósito das indemnizações devidas às famílias dos/as operários/as mortos/as, respondeu "Não há salário para os mortos." Daí que a resposta das trabalhadoras e dos trabalhadores do Bangladesh tenha sido o aumento da luta para alterar as condições de trabalho e por melhores salários, apesar das grandes dificuldades de organização nestes países.

Do montante estimado de 40 milhões de dólares americanos, até ao momento, ou seja, um ano depois da catástrofe, só um terço dos fundos foi recebido. Está a correr na internet uma denúncia e ação de sensibilização popular para que essas empresas – Benetton, Carrefour, Mango, Walmart, El Corte Inglés, Auchan, para referir apenas algumas – paguem por completo aquilo com que se comprometeram

Quando desde há 30 anos a esta parte se assiste à deslocalização da produção industrial para a Ásia, a chamada globalização capitalista via naqueles milhões de trabalhadores e trabalhadoras a garantia de um trabalho feito de salários de miséria, ausência de direitos sociais e laborais, condições dramáticas e insalubres de trabalho e repressão extrema sobre qualquer forma de organização sindical ou outra que ousasse opor-se-lhe. Como se pode ler in "A Comuna" nº 30 (Abril-Junho 2013) dedicada às "Lutas do Trabalho na Ásia", 3/4 das exportações do Bangladesh resultam da indústria da confeção; a OMC refere o Bangladesh como o 4º exportador mundial de roupa e “The Economist” coloca-o como o terceiro maior exportador da indústria têxtil. Mais de 3 milhões de trabalhadores bangladechianos trabalham na indústria têxtil, sendo que 90% são mulheres. As mulheres recebem entre 30 e 40 dólares por mês, trabalham entre 10 e 14 horas diárias, 6 dias por semana! Aquele patrão dizia "Não há salário para os mortos". Eu direi: nem para os vivos. A escravatura "assalariada" que nos veste e que tantas vezes ignoramos! No artigo de Alejandro Teitelbaum "A catástrofe do Bangladesh: uma amostra grátis do capitalismo mundializado" in "A Comuna" nº 30, o autor refere que o Bangladesh se encontra entre os primeiros países no ranking mundial dos trabalhadores mais explorados!

O capital tem como único objetivo o lucro. O nosso objetivo é outro: lutar por uma sociedade socialista livre de opressão e de injustiças. Quando na voragem dos dias as mensagens se multiplicam e a consciência tantas vezes é manipulada e se embota, impõe-se enfrentar esta realidade, mesmo que ela tenha sido posta bem longe para que não a vejamos. Não basta falar de direitos humanos num dia específico no calendário. Há que lutar por eles todos os dias para que não se percam.

Referências:

- A Luta dos Trabalhadores nas "Fábricas do Mundo", de Carlos Santos in A Comuna nº 30 - (Abril-Junho 2013) Lutas do Trabalho na Ásia.
- A catástrofe do Bangladesh: uma amostra grátis do capitalismo mundializado de Alejandro Teitelbaum in A Comuna nº 30 - (Abril-Junho 2013) Lutas do Trabalho na Ásia.
- http://www.labourstartcampaigns.net/show_campaign.cgi?c=2200
- http://www.cleanclothes.org/ranaplaza/pay-up-facebook-action
- http://www.cleanclothes.org/
- http://www.ropalimpia.org/es/
- http://www.ethique-sur-etiquette.org/-Bangladesh-halte-a-l-hecatombe-
- http://www.marchemondialedesfemmes.org/

Artigo publicado em acomuna.net

Sobre o/a autor(a)

Professora aposentada, feminista e sindicalista
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