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Não é tempo de vacilar

Mais de 20% dos trabalhadores em Portugal recebem o salário mínimo nacional. São pessoas que desempenham profissões essenciais ao funcionamento da economia e da sociedade.

Asseguram os supermercados, o abastecimento de mercadorias, a higiene e limpeza, a recolha de resíduos ou as entregas de bens ao domicílio. Trabalham no comércio, na indústria e nos serviços. A pandemia retirou-as da invisibilidade de sempre, mas o reconhecimento da sua importância não se traduziu em salário.

Em Portugal, os salários são tão baixos que muita gente depende deste patamar mínimo. Daí a importância do compromisso do Governo com uma trajetória de aumento do SMN até aos 750€ no final desta legislatura, em 2023.

Para que seja equilibrada e possa acontecer sem sobressaltos, esse aumento deveria ser repartido no tempo: 635 euros em 2020, e depois mais 35-40 euros ao ano. Em 2023, o salário mínimo estará ainda longe de garantir uma vida digna a todos os que dele dependem, mas terá permitido recuperar algum poder de compra essencial.

Porém, engana-se quem pensa que o salário é apenas uma condição de dignidade e respeito por quem trabalha. O salário é também uma das bases fundamentais da economia. Se a crise anterior provou alguma coisa, é que o pensamento mesquinho que nos diz que cortar salários ajuda o crescimento económico e as empresas está profundamente errado.

Sem salário não há poder de compra, sem poder de compra não há consumo, não há vendas, nem confiança para sustentar a economia. Manter e até aumentar os salários é, por isso, uma das mais eficazes medidas anticrise, como ficou demonstrado na legislatura anterior, quando o acordo PS-Bloco permitiu elevar o salário mínimo até 600 euros.

É portanto errado que o Governo recue no compromisso de aumentos sustentados do SMN. Do ponto de vista simbólico, é crucial manter os compromissos assumidos, mostrando que os erros do passado não vão ser repetidos. É tempo de rejeitarmos a ideia de que as crises se resolvem pelo corte de direitos e rendimentos. Do ponto de vista prático, aumentar o salário mínimo é importante para suportar a economia do país.

Dirão alguns que as empresas não aguentam tal movimento, mas esse é um argumento que não podemos aceitar. Por um lado, porque, muitas vezes, as empresas que mais contestam os aumentos são as que menos dificuldades enfrentam. Para essas, o que está em causa é trocar uma pequena parte dos lucros por salários. Para outras, as dificuldades são reais. Esses casos merecem análise, porque não podemos ter um setor empresarial que só sobrevive à conta de tão baixos salários. Em contexto extraordinário de crise, no entanto, é papel do Estado apoiar essas empresas. E é para isso que os fundos estruturais devem também servir: manter as empresas e apoiar os salários.

O país já conhece e não esquece a receita da Direita para lidar com a crise. Se o Governo aprendeu a lição da geringonça, e se quer uma resposta com apoio da Esquerda, não pode vacilar no que é essencial.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 22 de setembro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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