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Não é boa ideia deitar fora os jovens

Insistir no abuso do período experimental terá escassos efeitos práticos, mas tem um enorme poder de anúncio: mostra que nem a feijões o Governo abdica da regra da precarização.

A resposta do Governo à declaração de inconstitucionalidade da norma do Código do Trabalho que impunha a duplicação do período experimental, quando já tivesse havido anterior trabalho contratado, é reveladora de dois problemas.

Há uma atrapalhação política, a que o Ministério respondeu desvalorizando a decisão, alegando mesmo que, como outras normas sobreviveram, sai reforçado. É um subterfúgio: o facto é que o Tribunal chumbou uma parte da lei. A razão é, aliás, evidente. A norma era estapafúrdia, declarava que alguém que já trabalhara com um contrato podia ser considerado, ainda assim, à procura do primeiro emprego, ficando à experiência. Acresce, para tornar tudo mais difícil, que a imposição deste absurdo jurídico foi uma rasteira contra a esquerda, com quem o Governo negociara alterações ao Código, para depois se descobrir que estava a acordar em paralelo com o patronato outras mudanças na lei, incluindo a duplicação do período experimental. Essa circunstância é o que explica tanto a insistência da esquerda na correção da lei como a persistência do Governo em manter uma regra que, mesmo que escassamente aplicada, é uma exibição de poder social. Tanto que esta divergência foi um dos fatores que levou o Governo, após as últimas eleições, a recusar o acordo com a esquerda para a legislatura. A engenharia do trabalho experimental e da precarização tornou-se uma questão de honra para o Executivo.

O segundo problema é pior. Segundo o relatório publicado na semana passada pela Fundação José Neves, os jovens com ensino superior perderam 17% de salário na última década e vivem agora com um desemprego de 19,4%, o triplo da média nacional, com 15% desses licenciados a trabalhar abaixo das suas qualificações. Para as mulheres, o fosso salarial agravou-se com a sua formação: o desnível salarial para os homens será de 21%, mas de 32% no caso das mulheres com mestrado. É um desastre geracional, consolidado pela precarização: num mundo laboral de contratos experimentais ou de trabalhadores transformados em empresários em nome individual para efeito do não pagamento da Segurança Social pela entidade contratante, só pode haver uma corrida para o fundo da tabela salarial e para a desvalorização do trabalho qualificado. Insistir no abuso do período experimental terá escassos efeitos práticos, mas tem um enorme poder de anúncio: mostra que nem a feijões o Governo abdica da regra da precarização. Não está mal, para quem anunciava que tinha chegado o momento de começar a negociar com a esquerda uma revisão do Código Laboral. Se assim fosse, era escusado ter soltado o animal feroz da teimosia precarizante quando o Tribunal abriu uma nesga de oportunidade para essa conversa.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 11 de junho de 2021

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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