Da longa mas recente e incompleta história de conquista dos direitos fundamentais das pessoas LGBT, recordemos algumas datas. Em 1982, uma revisão ao código penal português faz com que a homossexualidade deixe de ser considerada um “crime” entre pessoas adultas. Só em 2005, todavia, o Tribunal Constitucional reconhece a inconstitucionalidade da distinção penal entre os crimes de abuso sexual perpetrados por pessoas homossexuais e os praticados por heterossexuais. Um ano antes, apesar de perdermos a final do Europeu em casa, Portugal empata com apenas dois países a nível mundial (África do Sul e Equador), ganhando para o mundo ao incluir o princípio de igualdade em matéria de orientação sexual no artigo 13.º da Constituição Portuguesa.
E se, em 1999, as pessoas LGBT passam a ser abrangidas pela lei da união de facto, teríamos de esperar mais de dez anos para o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo ser permitido. Contudo, só em 2015 o Parlamento vai tão longe quanto devia e aprova a adoção de crianças por casais do mesmo sexo.
No que se refere aos direitos das pessoas Trans, o caminho tem sido longo e sinuoso. Em 2006, Gisberta é barbaramente assassinada no Porto. Uma mulher transexual, cujo violento homicídio leva à rua, nesse mesmo ano, a primeira Marcha do Orgulho LGBT do Porto.
Em 2011 entra em vigor a primeira lei pelo reconhecimento da identidade de género, e desde abril passado que está a ser discutida em sede parlamentar uma nova proposta de lei da identidade de género que inclui, por exemplo, a não obrigatoriedade de um relatório médico para alteração do registo civil; a diminuição da idade para a mudança de sexo; o direito à expressão de género desde a infância; a proteção das características sexuais das crianças intersexo.
É preciso ainda lembrar que foi sobretudo nos principais centros urbanos do país, Porto e Lisboa, mesmo no tempo em que se dizia não existir homossexuais em Portugal, que poetas e artistas furaram a censura, e que logo após o 25 de Abril surgiram os primeiros manifestos, coletivos, associações e, mais tarde, as primeiras Marchas do Orgulho LGBT em Portugal.
Entretanto, outras cidades foram saindo do armário e até há uma que se apropriou dessa metáfora e deu nome a um coletivo. Chama-se Braga Fora do Armário, e desde 2013 que organiza, na cidade dos Arcebispos, a Marcha pelos Direitos LGBT. Em Coimbra, desde 2010, decorre anualmente a 17 de Maio, a Marcha contra a homofobia e transfobia.
Este ano, no 110º aniversário do nascimento do escritor e poeta transmontano Miguel Torga, e durante o mês que se comemora a retirada da homossexualidade da lista de doenças da Organização Mundial de Saúde, “vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso”*: nasce a primeira Marcha LGBT na província berço de Torga, para lá do “grande oceano megalítico”, na cidade de Vila de Real.
A primeira Marcha LGBT Vila Real acontece no dia 27 de Maio de 2017 e traz para si algo que não é novo nos movimentos lgbt: as alianças com o feminismo. Portugal e o mundo saíram à rua no dia 21 de Janeiro num protesto internacional anti-Trump, contra a violência machista, pelos direitos das mulheres. Lado a lado, ativistas feministas, lgbt, anti-racistas e pela justiça climática, juntaram-se para exigir tudo aquilo que ainda não foi conquistado. Todas juntas: uma luta, uma batalha (one struggle, one fight**).
Em Portugal, esta mobilização internacional deu origem à criação de uma rede de ativistas feministas (Parar o Machismo| Construir a Igualdade) no Porto, Lisboa, Coimbra e Braga. Esta rede proporcionou o reencontro de duas antigas colegas de faculdade, e pela força de um abraço que abarca o mundo*** somam-se a vontade de outras mulheres de agitar o machismo empoeirado, metido entre as rochas, enraizado nas mentalidades, com uma senha simples: acordar o silêncio das mulheres-medeia de Trás-os-Montes.**** (Graça Morais)
A concentração está marcada para a mesma praça onde começou a Marcha das Mulheres de Vila Real do dia 11 de Março de 2017 e está a ser organizada pelo coletivo que surge com a dinamização desta mobilização feminista, a Catarse/ Movimento Social. O ponto de encontro é a Praça Diogo Cão, de onde seguiremos em Marcha até à Praça do Município, no centro histórico de Vila Real.
No dia 27 de maio parte também do Porto, às 13h, rumo a Vila Real, o Autocarro Arco- Irís, uma iniciativa da comissão organizadora da Marcha do Orgulho do Porto. A organização ainda está a receber inscrições através do email [email protected], para levar ativistas e outras pessoas interessadas em estar presente nesta primeira Marcha LGBT em Trás-os-Montes.
Até já, Vila Real.
Fontes
- “O movimento LGBTI em Portugal: datas e factos” (Bruno Maia, João Carlos Louçã e Sérgio Vitorino). Em, Dossier 250: 10 anos sem Gisberta, o que mudou. www.esquerda.net
- Estudo sobre a discriminação em função da orientação sexual e da identidade de género” (organ. Conceição Nogueira e João Manuel de Oliveira). Em, http://www.igualdade.gov.pt
Ligações Internet
Coletivo Braga Fora do Armário (Braga)
https://www.facebook.com/BragaForaDoArmario/
Iniciativa Nacional Parar o Machismo| Construir a Igualdade
https://www.facebook.com/pararmachismo/
Coletivo Catarse/Movimento social (Vila Real)
https://www.facebook.com/catarsemovimento/
Autocarro Arco-Íris Porto- 1º Marcha LGBT Vila Real
https://www.facebook.com/events/275019406292463/?fref=ts
Referências
* Torga, Miguel ( 1941). “Vou falar-lhes de um Reino Maravilhoso”.
** One Struggle, one fight. Frase pronunciada por Cleeve Jones, ativista pelos direitos LGBT pioneiro nos Estados Unidos da América.
*** Miguel Torga (1954). Inocência (poema) em Penas do Purgatório.
**** Da exposição “Rosto do Medo” (2016) sobre as mulheres vítimas de violência da pintora transmontana Graça Morais.
Artigo publicado em p3.publico.pt