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Mulheres, copos e lealdade

Eis que no primeiro dia inteiriço da primavera, um ainda presidente do Eurogrupo e um ainda coordenador autárquico antecipam os tempos quentes com elevada dose de loucura.

Há dias assim. Dias que acordam escoltados pela primavera, preparados para viajar pelo caminho normal da estação até aos tempos quentes de verão. Para descarregar toda a areia da engrenagem, suspiro em colectivo pelas temperaturas altas da "silly season" onde há mar e mais. Mas eis que no primeiro dia inteiriço da primavera, um ainda presidente do Eurogrupo e um ainda coordenador autárquico antecipam os tempos quentes com elevada dose de loucura. Entre Jeroen Dijsselbloem e Carlos Carreiras há um traço identificativo comum: ambos contribuem com quanto podem para perder as suas eleições.

Se o objectivo do presidente do Eurogrupo era navegar numa onda de lealdade misógina e marialva pelo Norte de Europa que o levasse à renovação do seu cargo transeuropeu, tratará agora de se desenganar. Nenhum marialva do Sul da Europa discute copos e mulheres com criados de escritório do Norte da Europa. Há limites. Depois de mais um "shot" bem acompanhado, saia então mais uma vírgula do défice sff. É nesta concepção parola e redutora que vive o projecto de futuro europeu que entregámos em mãos pela transferência de poder e soberania: os burocratas são criados servis mas julgam-se capatazes e até nos querem traçar costumes. Como se batesse com a caneca de barro no balcão do bar, Dijsselbloem abre o seu sorriso biltre mesmo a pedir tareia. Ao afirmar que os países do Sul da Europa gastaram dinheiro em copos e mulheres, afoga num copo baço de vulgaridade as mágoas do estrondo da sua derrota eleitoral nas eleições legislativas holandesas. Estupefacção, eles pensam mesmo que nós tínhamos dinheiro.

Bem longe da cretinice dos burocratas europeus, palmilha-se a política autárquica do PSD. No burgo, dentro do comboio intercidades laranja, vive todo um mundo de desespero pela viagem. Enquanto não se consegue identificar o objecto voador que se atravessa pelo rio no Porto, à capital o que é de César. Um pouco como aqueles turistas que só rezam pelo fim do trajecto, Carlos Carreiras encerra a campanha eleitoral de Teresa Leal Coelho momentos depois de ela ter começado e sem que a candidata dissesse água vai ou ao que vinha. Dentro da família Coelho, uma delícia de lealdade mesmo pelo nome do meio. O coordenador autárquico do PSD não brinda hip-hip-hurrah pela sua candidata, não gasta dinheiro mal gasto e nem assume preferências por nenhuma das duas mulheres na corrida: entre Teresa Leal Coelho e Assunção Cristas, "a ordem dos factores seria indiferente". Estupefacção, eles nunca pensaram mesmo que tinham candidata.

Artigo publicado em “Jornal de Notícias” a 22 de março de 2017

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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