Dizia um crítico de direita sobre a presença de representações de alto nível de quatro dos principais partidos políticos portugueses no congresso do MPLA que “misturar política com negócios dá sempre mau resultado”. Tem razão. A mistura entre política e negócios é sempre mal avisada, desvirtua a política e só momentânea e superficialmente fortalece os negócios.
Uma esquerda que prescinde de ser intransigentemente crítica de poderes despóticos em nome de um passado libertador que virou opressão ou em nome de um suposto realismo das boas relações com potenciais investidores é uma esquerda que falta à sua responsabilidade essencial
O que é estranho é que esse crítico de direita – e tantos outros críticos de direita que agora rasgam as vestes face ao enamoramento assumido desses estados maiores partidários pelos protagonistas do regime de Luanda – não tenha(m) esboçado o mínimo desconforto e indignação sempre que a política, em Portugal, tem servido para privatizar e para emparceirar público com privado. É que mistura mais desavergonhada de política com negócios não há. Os privados que ganharam o totoloto das privatizações e os que têm rendas milionárias vitalícias pagas pelo Estado sem uma gota de responsabilidade pelos riscos nas parcerias público-privado não são menos apropriadores dos bens públicos do que a nomenclatura militar e familiar que gravita em torno do Futungo de Belas. Tem razão Hélder Amaral: há mesmo muito mais pontos em comum entre a política dos negócios de Lisboa e os negócios da política de Luanda.
Por isso é tão natural uma representação tão elevada e tão exuberante da direita portuguesa no congresso do MPLA. Essa direita sabe que tem na governação angolana atual um parceiro. Essa direita sabe que este MPLA se guia pela mesma moral política que levou o CDS e o PSD ao centro de congressos de Luanda: "saber ler os tempos, os sinais, adaptar-se e atualizar-se", nas palavras sinceras de Hélder Amaral. Adaptar-se significa beneficiar as elites, cá como lá. Atualizar-se significa abjurar os direitos das pessoas e endeusar as liberdades do capital, cá como lá. Muitos mais pontos em comum, sim.
Não há passado que branqueie este presente nem miragem de futuro que justifique complacência. Uma esquerda que prescinde de ser intransigentemente crítica de poderes despóticos em nome de um passado libertador que virou opressão ou em nome de um suposto realismo das boas relações com potenciais investidores é uma esquerda que falta à sua responsabilidade essencial: ser coerente na luta contra a opressão e pela liberdade efetiva de todos.
Artigo publicado no diário "As Beiras" em 20 de agosto de 2016