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Muitas perguntas, poucas respostas ou um decreto-lei desfasado

O Governo repudia a denominação mas designar o OE como um orçamento de austeridade é o denominador comum sobre o qual toda a oposição tenta a impossível equação. Só mesmo o PS com acinte, e os empresários que se lhe colam, ignoram o clamor.

Alguém opinou que duas palavras definem a conjuntura actual: inflação e guerra. Não posso estar mais de acordo. Segundo números oficiais, e ainda a procissão vai no adro, a inflação já vai em 7,2% e não se prevendo o fim da guerra na Ucrânia, onde irá parar a inflação? Como vamos resistir e sobreviver? Estamos a falar da população portuguesa a qual mereceria a adopção de alguns mecanismos para amortecer o impacto da inflação, assim quisesse o Governo. Da esquerda à direita, há um verdadeiro cardápio de sugestões. Mas não, o Governo como se diz em linguagem popular, “fechou o coração”. Por enquanto há sintonia entre este Governo e a maioria que foi responsável pela sua eleição e que o suporta mas se deixar de haver?! No presente, este é o Governo que temos, se houver um afastamento entre ele e a sua maioria, haverá um plano B?

Um funcionário público que regista um aumento no seu vencimento de 0,9% como irá enfrentar um aumento de 7,2% no supermercado ou na praça? Como continuará a viver abstendo-se da vida? E os reformados? A vida já foi, o que resta agora? Um prato de intranquilidade e insegurança tudo bem temperado de muito conformismo.

Não adianta prometer o céu para o ano, protelar a solução dourando-a, isto é, continuar a afirmar que em 2023 as coisas irão melhorar. Mas não é para o ano que nós comemos, vestimos, vamos à farmácia ou ao médico. Não é para o ano que pagamos a luz, a água, o gás, a gasolina, o passe e não é para o ano que ambicionamos ir a um cineminha ou dar um passeio. É agora, já! É este desencontro temporal que o Governo teima em ignorar. Desconheço em absoluto quem possam ser os seus interlocutores, com quem lidam, se estão dentro de uma bolha e se comunicam saltando de bolha em bolha, não imagino. E todos os que falam com algum membro do Governo, familiares, amigos, conhecidos, o que é que lhes dizem? Não devem dizer, limitam-se a assentir com a cabeça, suaves monólogos. Aliás, se a solução for sempre a de calcular os aumentos do ano corrente pela inflação do ano anterior, o que nos espera é um aumento garantido da perda do poder de compra como regra. Não haverá nunca nenhuma recuperação, haverá sempre perda a qual irá aumentando progressivamente. Deixei de perceber aonde iremos chegar, como iremos fazer as nossas contas, como sobreviveremos.

O decreto-lei 53B/2006, que rege esta questão dos aumentos face à inflação vira-se contra nós. Ouço muitas vozes contra, junto-me a elas. A tendência é exigir aumento dos salários e pensões à taxa da inflação mas, parece-me, que esta exigência tem de ser clarificada. Primeiro, os efeitos de qualquer actualização não podem ser em modo retroactivo absoluto porque quando a inflação dispara como acontece este ano, a diferença torna-se insuportável. Depois porque o factor tempo apenas agrava a situação. A expressão “à taxa da inflação” também não é feliz, carece de explicação. Qual taxa? A que ano nos reportamos? As leis, as negociações, as reivindicações, não se podem ficar pelo que se imagina que o interlocutor captou da nossa mensagem, cabe-nos a nós que reclamamos dizer clara e explicitamente tudo o que pensamos mesmo correndo o risco de sermos redundantes. Não faz mal, o que importa é que fique escrito. Pedir aos trabalhadores e pensionistas que aguentem até para o ano constitui grande descaramento porque deliberadamente se ignoram todas as dificuldades inerentes. Soluções não serão fáceis, mas vamos para a negociação. Há que encontrar um mecanismo que possa fazer frente à inflação galopante, reduzindo o impacto arrasador desta sobre a vida de trabalhadores e pensionistas. Em vez de assumir uma atitude cega, surda e muda, era bom que o Governo se dispusesse a olhar para o copo meio vazio e equacionasse outro algoritmo para combater a inflação e para legislar sobre o seu combate de uma forma menos lesiva dos interesses e expectativas dos trabalhadores e pensionistas. Perante uma inflação imparável, o 53B deixou de nos servir, contraria as nossas expectativas mais básicas e, como qualquer lei em contexto democrático, não é imutável, pode e deve ser revista “por inconveniente”.

Sobre o/a autor(a)

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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