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A morte cruel de Savita na Irlanda

Há duas semanas os povos da Irlanda e pelo mundo fora ficaram chocados com a trágica morte de Savita Halappanavar num hospital irlandês. Desenvolvera uma septicémia depois de lhe ter sido recusada em tempo útil a interrupção de uma inviável gravidez de um feto com 17 semanas. Foi-lhe recusada a interrupção da gravidez porque o coração do feto ainda batia e, de acordo com o marido, lhe foi dito que "vivemos num país católico".

Este incidente veio ilustrar dramaticamente a realidade das leis do aborto na Irlanda. Na Irlanda há uma proibição constitucional do aborto. Nos primórdios dos anos noventa, porém, a seguir a um movimento de massas dinamizado pela recusa de um aborto a uma adolescente suicida o Supremo Tribunal da Irlanda, naquele que ficou conhecido como o "Caso X", interpretou a Constituição como permitindo o aborto nos casos em que a vida da mãe estivesse em perigo.

Revelando a fraqueza e a natureza retrógrada dos partidos governantes, sucessivos governos irlandeses falharam na adoção de legislação permitindo o exercício limitado deste direito, colocando por isso em perigo a vida de mulheres em situações difíceis como Savita Halappanavar.

No início deste ano, o meu partido, o Partido Socialista, propôs legislação no Parlamento irlandês tendo como base o "Caso X". Infelizmente, a iniciativa acabou derrotada pelo governo social democrata/cristão democrata.

No seguimento das notícias sobre a morte de Savita realizaram-se grandes manifestações através da Irlanda, incluindo um desfile de 20 mil pessoas em Dublin no sábado dia 17.

É essencial que a pressão do povo e das classes trabalhadoras se mantenha e intensifique para que haja verdadeiras mudanças em relação ao direito de aborto.

Tal como na Irlanda, também através do mundo se registaram manifestações de protesto contra a desnecessária morte de Savita. Com base neste movimento, juntamente com o presidente da Comissão dos Direitos das Mulheres no Parlamento Europeu, Mikael Gustafsson, enviei uma carta ao primeiro ministro da Irlanda assinada por 55 membros do Parlamento Europeu de 16 países.

Em 21 de Novembro convocámos um dia internacional de protesto como ação de solidariedade para com a família Halappanavar e pedindo ao governo irlandês para legislar sobre o aborto. Decorreram protestos junto a consulados e embaixadas da Irlanda, incluindo em Bangalore, Seul, Hong Kong e através da Europa. No âmbito dessa ação realizámos um protesto no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, que envolveu cerca de 30 eurodeputados. Tudo isto aumentou a pressão sentida pelo governo irlandês.

Tradicionalmente o "establishment" capitalista irlandês e os seus partidos reverentes perante a Igreja Católica formam uma força socialmente conservadora que pretende manter o status quo. Esses partidos sustentam hoje uma igreja desacreditada permitindo-lhe significativo controlo e influência sobre os setores da educação e saúde, o que levanta uma verdadeira barreira ao desenvolvimento de uma genuína igualdade e afeta os direitos das mulheres. É essencial, por isso, assegurar na Irlanda a completa separação entre a igreja e o Estado.

O capitalismo ainda procura, de muitas maneiras, tratar as mulheres como cidadãos de segunda classe. A implementação da austeridade a que estamos a assistir através da Europa afeta as mulheres de modo desproporcionado. Em muitos países europeus as mulheres desempenham a maioria das tarefas nos setores públicos e serão maioritariamente afetadas pelos cortes nos serviços sociais. A par disto, o sexismo está a crescer nos media e na sociedade em geral.

Tal como pela luta pelos direitos ao aborto das mulheres na Irlanda é vital que se desenvolva a luta contra as políticas neoliberais de austeridade que constituem a base de uma desigualdade crescente.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado do Partido Socialista da Irlanda
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