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Mitos eleitorais (2)

Como disse alguém, o “voto (in)útil” só é útil para quem o recebe. E tem o efeito perverso de levar os partidos de maior dimensão a governar sempre da mesma forma.

2º mito) Na maioria dos distritos, é preciso votar “(in)útil” nos grandes partidos, pois só assim não desperdiçarei o meu voto.

Este é o mais arreigado dos mitos e, também pela tecnicidade que envolve a sua desconstrução, o mais difícil de combater.

Antes de tudo, diremos que o popularmente chamado “voto (in)útil” implica que o eleitor abdique da sua convicção pessoal para entregar o seu voto a uma força política em que não confia mas que vê como mal menor face a um adversário que considera mais ou menos ameaçador. Para além da natural frustração que não deixará de sentir, esse cidadão tende, frequentemente, a sentir-se desiludido, ou porque, apesar do seu voto, o partido que escolheu perdeu na mesma as eleições, ou, então, se este venceu, a sua governação se revelou quase tão má como a daqueles que quis derrotar. Como disse alguém, o “voto (in)útil” só é útil para quem o recebe. E tem o efeito perverso de levar os partidos de maior dimensão a governar sempre da mesma forma, pois sabem que, façam o que fizeram quando governam, os eleitores das “franjas” acabarão por votar neles, mesmo que a contragosto, para evitar a derrota daqueles que consideram o inimigo principal.

As eleições são um importante momento de expressão da vontade popular. Por isso, os eleitores deverão votar na força política que preferem, em lugar de ficarem condicionados por cálculos que, como procurarei mostrar de seguida, se podem revelar, muitas vezes, “furados”.

Porém, vamos “dar de barato” que há eleitores que não abdicam de usar estrategicamente o seu voto. De acordo com o senso comum, para este não ser “desperdiçado”, deverão votar num partido ou coligação capaz de eleger deputados nesse círculo eleitoral. Ora, veremos que isso nem sempre corresponde à realidade.

Aconselho-os, então, a ler atentamente a explicação que se segue.

Apesar de a eleição ter caráter nacional, o território nacional é dividido em 20 círculos, correspondentes aos 18 distritos e às duas regiões autónomas, onde serão eleitos 226 deputados. Os outros quatro são reservados para a emigração (dois para os residentes na Europa, dois para os que residem noutros continentes). A Constituição estabelece que “o número de deputados por cada círculo do território nacional é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscrito” (artº 149º, 2). Por seu turno, a conversão de votos em mandatos é feita “por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt” (artº 149º, 1).

Dadas as assimetrias na distribuição da população, também a magnitude dos círculos eleitorais é muito desigual. Assim, enquanto Lisboa elege 47 deputados, Portalegre apenas tem direito a dois. Logo, o limiar para uma força concorrente ao ato eleitoral eleger um deputado é muito variável: enquanto, na capital, 2% chegam, naquele distrito alentejano podem ser necessários quase 25%. Como se verifica, a divisão do território em diferentes círculos serve mais para reduzir a representação dos partidos de menor dimensão que para eleger uma representação de base regional.

Voltando, agora, à questão do “voto (in)útil”, a ideia de que só votando nos maiores partidos se favorece um determinado campo político em detrimento de outro apenas é válida em círculos de pequena dimensão e/ou quando se prevê que o partido da nossa simpatia não irá além dos 2-3% dos votos no distrito, à exceção de Lisboa e do Porto.

Em círculos de magnitude média e com partidos de média dimensão, as coisas não são tão lineares, como podemos ver nos exemplos seguintes.

Nas eleições de 2011, no círculo de Coimbra (onde voto e sou candidato), os resultados das principais forças políticas foram os seguintes:

PSD – 91028 votos (40,14%), 5 deputados/as; PS – 66196 (29,19%), 3; CDS – 22391 (9,87%), 1; CDU – 14138 (6,23%); BE – 13034 (5,75%).

Aplicando as divisões sucessivas do método de Hondt (por 1,2,3,…), verificamos que o 5º mandato do PSD foi o último a ser atribuído. O quociente da divisão dos votos “laranjas” por 5 teve o valor de 18205,6 (correspondente a 8,03% dos votos totais). Já o quociente da divisão dos votos do PS por 3 (que deu o 3º e último mandato ao partido “rosa”) foi de 22066,33 (9,73% do mesmo valor). Por seu turno, o número de votos do CDS (obviamente, igual à sua divisão por 1) valeu-lhe a atribuição de um mandato. CDU e BE ficaram de fora.

Suponhamos, agora, que houve 5172 eleitores (2,28% do total) que acharam que era “útil” votar no PS para impedir a vitória da direita. E vejamos o que aconteceria se todos eles tivessem votado antes no BE. Teríamos, assim, o seguinte quadro:

PSD – 91028 (40,14%); PS – 61027 (26,91%); CDS – 22391 (9,87%); BE – 18206 (8,03%); CDU – 14 138 (6,23%).

Com este novo quadro, o número de votos do BE (ou seja, a sua divisão por 1) é superior em 0,4 ao quociente da divisão dos votos do PSD por 5. Logo, teríamos a seguinte divisão de mandatos: PSD, 4; PS, 3; CDS, 1; BE, 1. Ou seja, do ponto de vista do voto “(in)útil”, o voto no BE (e/ou na CDU) seria bem mais útil que o voto no PS. Como diria o saudoso Pessa, “e esta, hein?”.

Neste nosso exemplo, se as restantes forças concorrentes (à exceção do BE) tivessem os mesmos votos, bastaria ao PS ter tido 54617 votos (24,09%) para eleger os mesmos três deputados que obteve. Ou seja, se os votos na CDU e no BE foram “desperdiçados”, houve também 11582 no PS que o foram igualmente, pois não contribuíram para eleger ninguém.

Para não ser demasiado exaustivo, direi apenas que, em Braga, tivessem 1129 eleitores do PS (0,23% do total) optado pelo BE e este teria elegido um deputado à custa do PSD. Em Santarém, já teriam sido necessários 4080 votos (1,73%) para o BE conseguir um mandato, mas fá-lo-ia, igualmente, em detrimento do PSD. Por sua vez, em Aveiro, onde o BE elegeu um deputado por uma “unha negra”, teria bastado que 342 votantes (0,09%) optassem pelo voto “(in)útil” no PS para que o partido não elegesse ninguém, indo esse mandato para o PSD.

Claro que nem sempre é assim. Em Leiria, a eleição de um deputado do BE teria sido feita à custa do PS e, em Setúbal, um eventual 2º mandato “bloquista” seria retirado à CDU. Já no Algarve, a não eleição da deputada do partido teria favorecido o PS. Mas, aí, se nem BE nem CDU tivessem elegido ninguém, lá ia também mais um mandato para o PSD.

Se quiserem confirmar estes dados, vão ao sítio da CNE (www.cne.pt). Depois, como diria o outro, é só fazer as contas.

Acredito que, ao ler isto, o amigo leitor que quer votar “(in)útil” se sinta confuso e pergunte: mas, afinal, como é que sei qual o melhor voto contra a direita? Pois a resposta é simples, embora frustrante: não sabe nem tem como saber. Utilizando um cliché futebolístico: “as contas fazem-se no fim”. E só aí é que sabe se o seu voto (não) contribuiu para eleger alguém. Por isso, e para concluir, siga o meu conselho: vote na força política cujas propostas acha mais consistentes e mais próximas da sua visão da sociedade, do país e do mundo. E, se for o Bloco de Esquerda, ótimo. Garanto-lhe que não se vai arrepender!

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Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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