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“Mitos e Preconceitos sobre a Língua Gestual Portuguesa e a Pessoa Surda”
Nem sempre os Surdos foram respeitados com as suas diferenças ou mesmo reconhecidos como seres humanos de plenos direitos. A Comunidade Surda (é o nome da comunidade com a mesma língua/cultura e com uma identidade comum) sente-se amaldiçoada com o preconceito da sociedade que criou alguns termos e ideias negativas a seu respeito. Desta forma, é importante derrubar os mitos que ainda persistem sobre a Comunidade Surda e, como tal, vou enumerar vários pontos e esclarecer as ideias erradas que existem sobre a Comunidade Surda.
A Língua Gestual é universal? Errado – A universalidade corresponde a um código de comunicação. É muito comum julgar que todos os Surdos falam a mesma língua em qualquer lugar do mundo. Mas basta pensar no que acontece com as línguas orais, ou seja, cada país tem a sua própria língua e cultura que faz parte da identidade do povo desse país. As línguas são independentes a nível gestual e oral, por exemplo, a Língua Portuguesa é utilizada em outros países como Brasil, Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, entre outros. A Língua Gestual Portuguesa é completamente diferente e independente, nomeadamente da Língua Gestual Brasileira (origem francesa) e das Línguas Gestuais Angolana, Moçambicana, Santomense, entre outros (são uma mistura de Portugal e de outros países que investiram no projeto de desenvolvimento linguístico).
A Língua Gestual é uma linguagem ou mímica? Errado – A Língua Gestual é uma estrutura gramatical que equivale às línguas orais com reconhecimento pela comunidade linguística que faz parte da cultura e identidade das Pessoas Surdas e com reconhecimento socio - antropológico. Não pertence ao código comunicacional convencional nem se tratam de gestos inventados por cada pessoa.
A Língua Gestual tem gramática? Certo – Reconhece-se esta língua pelo status linguístico feito por William Stokoe, desde o ano de 1960, nos Estados Unidos da América, ficando comprovado que a Língua Gestual não é comparada à língua oral, mas é equivalente. As investigações foram iniciadas em 1660 e desenvolveu-se uma teoria da língua no ensino. Os ilustres tentaram optar por uma metodologia gestual para comunicar com os alunos Surdos e desenvolveram esse método comunicacional, não reparando que o método conseguido era uma comunicação linguística. Resumindo, a Língua Gestual tem uma gramática própria que não se compara à língua oral, e o contexto da gramática será a mesma informação.
A Língua Gestual Portuguesa está certa? Certo (absolutamente!) – A Língua Gestual Portuguesa veio originalmente da Suécia, através do ilustre sueco Par Aron Borg, que foi convidado pelo reino português para construir numa instituição independente e que trazia mais de dez alunos Surdos casapianos. Passado algum tempo, a crise do poder monárquico, a pressão da instituição e a pressão financeira fizerem com que fosse tudo retirado e entregue à Casa Pia. No ano de 1880, foi interrompido o método gestual que mudou para o ensino “falado” e os alunos Surdos começaram a ter insucesso no ensino através desse método. Retomou-se no ano de 1977, com a investigação portuguesa que se iniciou em algumas escolas e que colaborou com o movimento associativo da Comunidade Surda, nomeadamente, a Associação Portuguesa de Surdos que organizou vários eventos e encontros ligado à Língua Gestual Portuguesa. De seguida, houve o reconhecimento da Língua Gestual Portuguesa na Constituição da República Portuguesa, no ano de 1997, especificamente através do ensino que influenciou a criação do Decreto-lei n.º 3/2008 de 7 de janeiro.
A Língua Gestual Portuguesa e os seus níveis linguísticos descrevem os níveis fonológico e morfológico que apontam cinco parâmetros: configuração das mãos, localização, movimento, expressão facial e orientação.
Nomeadamente sobre os termos sobre a Pessoa Surda, a questão levantada será “A Surdez é um problema para a Pessoa Surda?”, havendo duas perspetivas deste termo da surdez: patológica ou cultural. A conceção da medicalização adota sempre o termo negativo de “paciente” e prevê que a surdez seja vista como alguém portador de uma deficiência e que necessita de recursos médicos ou de intervenção cirúrgica para se tornar “normal” de forma a poder integrar a sociedade maioritária. Como tal, foram adotados alguns termos errados para nos rotular:
A Surdez é uma deficiência? Errado – As pessoas Surdas que nascem e não ouvem naturalmente, são pessoas Surdas. O termo “deficiência” está definido no dicionário online da Língua Portuguesa da seguinte forma:
- de·fi·ci·ên·ci·a: substantivo feminino; 1. Imperfeição, falta, lacuna; 2. [Medicina] Deformação física ou insuficiência de uma função física ou mental.
- Surdez: substantivo feminino; Privação total ou parcial do sentido de ouvir.
Significa que existe uma perda ou que falta qualquer coisa para normalizar o corpo, após a nascença perde-se qualquer coisa, por exemplo, a audição, o que significa que a pessoa tem uma deficiência auditiva ou é deficiente auditiva. No entanto, ser Pessoa Surda não é ser deficiente porque nasce assim naturalmente (sem ouvir) e, como tal, o desenvolvimento da aquisição da linguagem será a Língua Gestual porque funciona através da transmissão entre o cérebro e os olhos.
O termo “deficiente” ou chamar alguém de “pessoa com deficiência” é atribuir um estigma global, abrindo o caminho para a discriminação e o preconceito. A perspetiva socio-antropológica afirma que ser Pessoa Surda é reconhecer, como a qualquer outra pessoa, a diferença na língua e não em razão da deficiência. Milhares de pessoas reconhecem os seus direitos e deveres como cidadãos sem limitações, mas podem ser discriminadas no interior de uma sociedade maioritária.
Uma ideia errada que acontece com muita frequência e que surge muitas vezes na comunicação social é o termo “Surdo/a – Mudo/a”, que está totalmente errado. Este é provavelmente o mito mais antigo e incorreto sobre as pessoas Surdas, sendo que muitas pessoas ainda usam este termo errado. Se uma pessoa é surda não significa que seja muda, porque a pessoa “muda” tem outra deficiência que não tem nada a ver com a surdez. A pessoa Surda pode falar, através de terapia da fala, sendo que o desenvolvimento da fala pode não ser igual à das outras pessoas. Por uma pessoa Surda não falar não quer dizer que seja muda, pode ser apenas por falta de exercício ou da vontade de cada um.
A partir deste momento, começando pelo tema da Comunidade Surda, as pessoas Surdas de todos os países do mundo constituíram uma Comunidade Surda, quer dizer, um “mundo Surdo” (é a perspetiva sociológica, à qual não pertencem os termos “deficiente” ou “surdez” e porquê? Ambos têm um estatuto de patologia através do fenómeno social e vêm acompanhados do conceito médico: deficiente auditivo, ou seja, uma patologia para ser curada). Comprova-se que as pessoas Surdas têm uma Comunidade Surda, têm a sua natureza na educação e na vida que construíram, influenciando-se por forças tradicionais: históricas, linguísticas, políticas, económicas, sociais, profissionais e dos sentidos comuns, tornando-se assim, a Comunidade Surda.
Em resumo, a Comunidade Surda é uma minoria linguística e cultural e a Língua Gestual Portuguesa (LGP) é a língua desta comunidade em Portugal. Para além disto, os ouvintes poderão aprender esta nova língua para comunicar com as pessoas Surdas. Sejam bem-vindos!
Comentários
Fiquei a pensar na análise
Fiquei a pensar na análise dos termos "deficiência" e "surdez". Respeitando o facto das pessoas surdas não se considerarem deficientes, mas sim, uma minoria linguística em Portugal, a análise feita parece-me algo problemática. Uma pessoa que nasce sem pernas ou braços, por exemplo, não será considerada e não se definirá ela própria como "pessoa com deficiência" ou "incapacitada"?
Olá,
Olá,
Se aprender Lígua Gestual Portuguesa, em Portugal, posso comunicar com surdos noutros países de língua oficial portuguesa, como o Brasil ou Angola? E com países que não tenham o português como língua oficial?
Cumprimentos
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