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A minha maneira de te amar

Disseste que não aguentavas mais e foste embora. Sei perfeitamente o que te fez partir e confesso que também já estava exausta. Jamais irás aceitar ou mesmo entender a minha maneira de amar. A minha maneira de te amar.

Conhecemo-nos de um modo mais ou menos banal. Foi num desses bares com karaoke, onde muitas e muitos ganham coragem para mostrar os seus imaginários dotes vocais após umas quantas cervejas. Entre um hit dos Bon Jovi ou mesmo uma canção romântica do Tony Carreira (vá-se-lá-perceber-porquê) ias sorrindo para mim do outro canto da mesa. Na altura tive alguma dificuldade em corresponder-te, por receio de alguma cena de ciúmes da Tânia, com quem estavas. Conhecia-a há alguns anos e era do domínio público a sua possessividade.

Desde aquela noite passei a gostar de Bon Jovi. Não por se enquadrar no meu estilo musical, longe disso, mas porque alguém conseguiu convencer a Tânia a cantar. Na realidade não era preciso muito. Adorava exibir-se e ser o alvo das atenções, ainda que nada lhe escapasse à volta. Por isso ainda hoje continuo sem perceber como não deu pelo facto de te teres sentado ao meu lado e de meia hora depois já estarmos no amasso dentro do carro.

“Estás mesmo com pachorra para este ambiente de cantorias?”, perguntaste. Limitei-me a sorrir e abanar a cabeça, o suficiente para me sussurrares ao ouvido “Então encontramo-nos lá fora em dez minutos”.

Paradoxalmente até parece uma história de atração ardente e desejo infinito, ainda que aquela noite tenha sido de bastante loucura, como aliás outras que se seguiram. Adorava proporcionar-te prazer, sentia-me feliz perante o teu orgasmo e tudo em ti me iluminava. O modo como te arranjavas de manhã a correr para ires trabalhar, sem que deixasses para trás qualquer pormenor. A voz delicada com que atendias um telefonema, o gosto com que recebias convidados para jantar ou mesmo os amuos quando alguém se lembrava da tua alcunha no liceu.

Fica tranquila, não vou revelá-la.

Um dia disseste que me amavas. Eu já te amava há muito, talvez desde que comecei a gostar de Bon Jovi, mas fiquei calada. Deixei a tua mão percorrer o meu corpo e evitei, mais uma vez, que conduzisses a viagem. Mostrei um desejo que na verdade desconheço, entreguei-me à alegria de ver-te estremecer a cada beijo e deixei que rompesses de prazer ao meu lado.

Estavas especialmente bela naquela noite e eu amava-te tanto, embora não o tenhas conseguido perceber. Por vezes o amor revela-se de formas a que não estamos habituadas e quando finalmente tive coragem para dizer “não sinto atração sexual e vivo bem com isso, mas faço amor contigo porque te amo” ficaste furiosa. Gritavas que te menti, que te sentias usada e que por mais argumentos que mostrasse não entendias como tinha fingido tanto a teu lado.

Não era fingimento. Todo o meu sentimento era genuíno e sincero. Adorava ter-te junto a mim e partilhava tudo contigo, o presente e o que ainda queria realizar, talvez ao teu lado. As ambições profissionais, o projeto de requalificação da casa que os meus pais me deixaram na aldeia, os planos de viagens ou mesmo a adoção de uma criança. Só que as minhas fantasias não são sexuais. Tinha, de facto, orgasmos contigo, mas eram simplesmente reações do corpo, uma ação mecânica. Mas amava-te como possivelmente nunca amarei ninguém.

Eu sei que me amas também, mas toda a magia se foi perdendo desde a minha confidência. Não podia guardar este segredo comigo, não merecias. Queria ter-te e dar-me por inteiro, naquilo que sou, mas começaste a olhar-me com pena, como se estivesses perante uma frígida que havia sido abusada sexualmente. Quando procurava dar-te prazer perguntavas se estava a pensar no que iria vestir no dia seguinte ou apenas se já tinha dado de comer ao gato. Fazias sentir-me insípida, incapaz de merecer o carinho de alguém.

Aquilo matava-me por dentro. Porque te amava. Porque te amo, ainda que saiba que nunca irás compreender ou aceitar o meu amor. Procurei, por diversas formas, com diferentes abordagens, explicar-te que não sentir atração sexual não impede a capacidade de amar. “Não consigo conceber uma relação assim”, argumentavas.

Fiquei sem ti e tu ficaste sem mim. Amei talvez o bastante para o tempo que ainda me resta viver. Entreguei a ti o melhor de mim. Não foi suficiente, mas é assim que sou. Foi assim que te consegui amar. Foi assim que me dei a ti.

Como gostava que tudo fosse diferente. Só para que ficasses, só para que ainda chorasses comigo, abraçada, a rever os clássicos que tanto gostas. Também Rick desejou que Ilsa ficasse em Casablanca. “No matter what the future brings”, com o tempo tudo se transforma, mas ainda que tenhamos de os deixar voar para outras paragens, os grandes amores ficam eternizados. É assim no cinema, na música e dentro de nós, enquanto respirarmos.

Sobre o/a autor(a)

Trabalhadora da administração local
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