No nosso país, soma-se a uma constante estrutural (como lhe chamou Vitorino Magalhães Godinho), que acompanha há séculos a nossa construção como país-plataforma, a violenta crise e a porosidade do espaço europeu. Por isso, é profundamente injusto projetar em quem tomou essa decisão qualquer carga valorativa ou mesmo julgar o ato ou o processo em si.
Das diferentes pessoas que recentemente entrevistei na Alemanha e que cabem nesse grupo, nem uma só considerava trágico ter saído do país. Alguns fizeram-no, é certo, contra a vontade primeira, perante a escassez de alternativas para concretizar as expectativas que foram construindo ao longo do percurso escolar. Outros, nomeadamente no setor artístico, perceberam que não havia futuro profissional nem oportunidades de formação e realização pessoal. Alguns, mesmo antes de acabarem os cursos, enviaram currículos e auto-propostas para empresas e instituições do espaço europeu. Quase todos tinham já experimentado estadias de estudo no estrangeiro ou viagens mais ou menos frequentes.
A emigração do ponto de vista do país é uma calamidade. Não falo sequer no plano demográfico ou do “êxodo de competências”. Falo, sobretudo, pela perspetiva da emigração como “válvula de escape” que apazigua o potencial de revolta contra o governo e a austeridade
Mas do ponto de vista do país é uma calamidade. Não falo sequer no plano demográfico, embora também o seja, ou do “êxodo de competências”, que igualmente existe. Falo, sobretudo, pela perspetiva da emigração como “válvula de escape” que apazigua o potencial de revolta contra o governo e a austeridade – porque os ativistas, os projetos e as vontades de mobilização também emigram. É verdade que, de um ponto de vista europeu, nada se perde, tudo se transforma: muitos deles contaram-me estórias de envolvimento cívico e político e quase todos revelam forte consciência de que é necessário combater o racismo, o preconceito e a destruição do estado social. Mas ainda não votam na Alemanha – e já deixaram de o fazer em Portugal.
É urgente, mais do que nunca, construir ativismos em rede, aproveitando as energias que estes emigrantes demonstram. Envolver os contactos e as associações em que se encontram inseridos, algumas transnacionais, outras fortemente ligadas à inserção e ao contacto entre portugueses. Mais importante ainda, é fundamental que essas lutas se sintam aqui no país e que eles, por seu lado, se reconheçam como parte de um projeto político em Portugal, contra a austeridade e a dupla dualização europeia (centro versus periferia e finança versus povos).
Até porque, como me disseram os menos jovens, há um ponto de não retorno, em que o campo de possíveis deixa de passar por Portugal. E precisamos deles, porque não se podem desperdiçar as forças.