Que Hollande era patético, já sabíamos há muito. Afinal foi ele quem, depois de ter prometido que ia fazer peito contra as regras do Tratado Orçamental, veio com o rabo entre as pernas de um encontro com a chanceler Merkel, porque afinal as regras do tratado eram mesmo para cumprir.
Numa das entrevistas realizadas a Hollande, o próprio explica. A Comissão Europeia, nos mandatos de Barroso e de Juncker, propôs um "acordo secreto": se a França mentisse sobre o défice previsto, a União fingia que acreditava
Mas afinal não eram. A revelação foi feita num livro de título tão sensacionalista quanto desastrado (“Um Presidente não deveria dizer isto”) editado nos últimos dias. Numa das entrevistas realizadas a Hollande, o próprio explica. A Comissão Europeia, nos mandatos de Barroso e de Juncker, propôs um "acordo secreto": se a França mentisse sobre o défice previsto, a União fingia que acreditava. Ou seja, a Comissão não atacaria a França por incumprir as regras, mas a mentira francesa era necessária para a Comissão continuar a atacar outros países, como Portugal: “Eles sabiam que a França não atingiria os 3%, mas disseram: nós preferimos que vocês apontem para 3% porque desse modo podemos fazer frente a outros países. Não vos atacaremos”. Era tudo “uma mentira pura e simples, aceite por todas as partes”. Assim, sem mais nem menos, nas palavras do ainda presidente francês. As afirmações não podiam ser mais cristalinas: as regras europeias são uma mentira de conveniência, um fingimento para ser manipulado em função de simpatias políticas e da discriminação de uns países em relação a outros.
Que “a França é a França” e que as regras não valem para todos, era facto conhecido e reiterado por Juncker. Agora, sabemos que mesmo os que se arvoram em seus fiéis guardiães nunca as levaram a sério. Andam a fazer-nos de lorpas – e a rir-se disso.
Na discussão sobre o Orçamento português, os comissários europeus, com o “socialista” Moscovici à cabeça, utilizam cada décima do défice para promover a chantagem, para fazer exigências de cortes nas pensões, na saúde e na educação, para ameaçar com suspensão de fundos, para pôr em causa as legítimas escolhas da nova maioria parlamentar, para impor limitações ao investimento público e para evitar que o país se liberte de juros incomportáveis, superiores a todo o investimento que fazemos em educação. Entretanto, a farsa continua.
Este projeto europeu bateu no fundo, mesmo para quem achava que não havia mais fundo para bater. É uma teia de mentiras, de jogos de dissimulação e de degradação democrática
Que pensar então de tudo isto? Primeiro, que este projeto europeu bateu no fundo, mesmo para quem achava que não havia mais fundo para bater. É uma teia de mentiras, de jogos de dissimulação e de degradação democrática. Segundo, que a única atitude digna é desvincularmo-nos de um embuste que nos aprisiona. Esse embuste chama-se Tratado Orçamental e tem vindo a destruir as democracias e a própria União. A mentira é apenas o outro lado da estupidez das regras deste Tratado. Com elas, não há Europa que sobreviva.
Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 4 de novembro de 2016
