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Melhorar o Serviço Nacional de Saúde

Os problemas estão mais que diagnosticados. Défice imenso de profissionais com vínculo estável ao SNS, com carreiras paralisadas ou desrespeitadas, tudo a convidá-los e aos doentes a irem para um setor privado agressivo, ficando o SNS como retaguarda para o que é difícil e para os pobres.

No recente debate parlamentar com o primeiro-ministro, depois de Eurico Brilhante Dias ter afirmado enfaticamente que tinha sido o PS a lançar todas as PPP na saúde, disputando ao PSD essa façanha, António Costa quis agredir o Bloco de Esquera, proclamando que “o SNS não deve nada ao Bloco de Esquerda para a sua melhoria”. A conjugação daquela verdade inequívoca com esta mentira mesquinha teve a grande vantagem de mostrar a atual orientação do PS para a saúde.

A mentira de António Costa tem a perna curta. O estatuto do dador de sangue, a obrigatoriedade de prescrição por princípio ativo, o testamento vital, o estatuto do doente crónico, a regulamentação das profissões de gerontólogo, de podologista e de optometrista, a clarificação das situações em que a autorização de um medicamento para uso humano pode ser indeferida, o acompanhamento do doente nas urgências hospitalares – eis, entre muitas outras, melhorias concretas e importantes no SNS que são hoje lei devido a iniciativas do Bloco de Esquerda e, sobretudo, à competência e ao humanismo de João Semedo. O João conhecia muito bem o dia a dia das estruturas do Serviço Nacional de Saúde – do pequeno centro de saúde ao grande hospital central – e tinha, como poucos, a noção do tanto que havia a fazer para melhorar o SNS. Ele foi o rosto dessas e de tantas outras iniciativas que são hoje sustentação do melhor que o SNS tem. Que António Costa o esqueça não é ingratidão nem amnésia, é só jogo político. Algo que a verdade – e, sobretudo, o atual estado do SNS – bem dispensavam.

Foi aquela plena dedicação do João Semedo ao SNS e à sua melhoria contínua que fez com que António Arnaut o tivesse escolhido para companheiro da proposta de uma nova Lei de Bases da Saúde. Sou testemunha pessoal dessa escolha de António Arnaut e estou absolutamente à vontade para dizer que, para lá da confiança pessoal plena na competência técnica do João Semedo, ela expressou a noção de que o João, dirigente bloquista, seria inquebrantável na defesa do SNS e da sua melhoria ao serviço do nosso povo. Por essas mesmas razões, Arnaut havia declarado, em entrevista ao PÚBLICO em setembro de 2014, que o João era o seu eleito para ministro da saúde.

O certo é que o jogo político do primeiro-ministro não consegue esconder que as melhorias de que o SNS hoje precisa não são de contingência nem se conseguem com a multiplicação de comissões. Ele próprio confessou que os problemas do SNS são estruturais. Pena que, quando a esquerda – e o Bloco em especial – defendeu o regime de exclusividade dos profissionais de saúde e a autonomia de contratação dos hospitais para responder a esses problemas estruturais, António Costa as tenha desdenhado e considerado que eram intransigências fabricadas pela esquerda para votar contra o Orçamento. Não foram precisos seis meses para vir reconhecer o que era óbvio.

Não basta reconhecer, é necessário mudar de rumo. E é aqui que a vanglória de Brilhante Dias relativamente às PPP é um sinal político de primeira importância. Os problemas estruturais do SNS estão mais que diagnosticados. Défice imenso de profissionais com vínculo estável ao SNS, com carreiras paralisadas ou desrespeitadas, tudo a convidá-los e aos doentes a irem para um setor privado agressivo, ficando o SNS como retaguarda para o que é difícil e para os pobres. Défice de médicos de família, sobrecarregando, a montante, as cuidadoras informais e, a jusante, as urgências como o único recurso de atendimento, levando a uma asfixia sem remissão. Défice de incentivos salariais aos profissionais de saúde, incentivando-os a passarem a ser quadros de empresas de prestação de serviços em outsourcing e a ganharem três a cinco vezes mais pela mesma função.

Salvar o SNS, como nos exigiram Arnaut e Semedo, é possível. Assim haja determinação, assim se façam as escolhas certas de políticas e de suporte social e parlamentar para elas. António Costa sabe quem já deu provas concretas de querer melhorar o SNS e quem dá provas de o querer destruir. A escolha é simples.

Artigo publicado no jornal “Público” a 24 de junho de 2022

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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