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A Marisa é a utopia que desejamos

O que a Marisa nos mostra é que podemos, com a esperança, reconquistar a democracia.

Tenho a felicidade imensa de poder contar com a amizade inigualável da Marisa. Que me perdoem os meus outros amigos e as minhas outras amigas. Poder contar com a amizade da Marisa é um privilégio especial, que sei que, apesar de todos os esforços, não consigo retribuir de forma igual. Porque a Marisa consegue, como ninguém, albergar num coração sem limites os afetos, a ternura, a dedicação a que nada se sobrepõe, nem os compreensíveis ditames de uma vida dedicada a lutar constantemente, incansavelmente, intransigentemente por aqueles e aquelas que mais precisam. Sempre no epicentro das grandes causas, onde queremos que ela esteja, porque sabemos que ela é essencial, não esquece e encontra sempre o tempo, a palavra de apoio e carinho, a inspiração de que precisamos. Tenho, pois, a felicidade imensa de ter a Marisa como amiga e é, por isso, pelo amor e pela admiração imensa que nos une que quis colocar em palavras o que nunca lhe consegui dar na medida em que ela incondicionalmente dá.

A nossa amizade tem já alguns anos e um percurso comum nesta coisa a que se chamou a política. Apresentámo-nos juntas, em 2001, às eleições autárquicas em Coimbra, a Marisa candidata à Câmara, eu à Assembleia municipal. Ia receosa, a Marisa, mas as inseguranças nunca foram impedimento para os desafios que enfrenta de cabeça erguida. Ia encostada, eu, porque sabia que a Marisa saberia levar a tarefa a bom termo da melhor maneira e eu segui-la-ia, apoiá-la-ia, da melhor maneira que pudesse e soubesse. Foi o cabo dos trabalhos tirar a fotografia para o cartaz de campanha, eu pequenina, ela, já então, alta e vertical, grande, a ter de curvar-se para cabermos, juntas, no enquadramento da máquina fotográfica. Eu seria eleita. Ela não. Mas a vitória não era minha – era da Marisa. Era o ensaio da Marisa para lugares maiores do que a política autárquica, por mais que esta também possa ser importante. Eu fiquei. A Marisa levantaria para voos muito mais altos. Aqueles que correspondem à sua grandeza e que ela sabe elevar onde ninguém os levou.

Algum tempo mais tarde, colegas que ainda éramos no CES, a Marisa pede-me conselhos: deveria ou não aceitar o desafio feito pelo Miguel Portas para se candidatar ao parlamento europeu. Muitas questões se cruzavam nesse desafio, mas ali lhe disse que sim, que fosse, que não hesitasse, que era, evidentemente, plenamente capaz de exercer bem as funções e, sobretudo, previ o que era óbvio. Disse-lhe: vai, porque vais crescer, de tal maneira que a tua vida jamais será a mesma. Tenho algures o email que lhe enviei no final dessa tarde, reiterando o que achava não lhe ter dito com a veemência suficiente. Vai, porque vais crescer, vais sentir que as lutas valem a pena, vais mudar o mundo, tudo isto aqui é pequeno para ti.

O que eu estava longe de imaginar era que não seria a função de eurodeputada que faria crescer a Marisa, mas que seria a Marisa a fazer crescer a política europeia e a usar, com uma inteligência enorme, todas as brechas inusitadas de uma máquina hermética e kafkiana de destruir gentes, num sítio onde as pessoas e a ética dos direitos começaram a ter lugar, devido às inquietações humanas e à solidariedade inexcedíveis de uma só deputada. Enfrentando, mesmo que com medo, os representantes de poderes que nos habituáramos a ver como inelutáveis e inescrutáveis, dos grandes chefes europeus aos poderes económicos, aos ditadores sombrios do Médio Oriente, uma mulher portuguesa, de Alcouce, ainda sem 40 anos, exigia da máquina europeia o impossível, com sabedoria e estratégias surpreendentes, e com uma frontalidade e uma coragem inabaláveis. A sua força, a sua competência, a sua inteligência, a sua ética e, sobretudo, a verticalidade, o empenho emocional pela justiça e pela ética, o corpo e a alma que punha nas suas intervenções e nas suas causas teria de ser reconhecido, como é e foi, por todos os sectores, mesmo os que se lhe opõem. A Marisa tornou o impossível possível em todas as situações. A política europeia cresceu com ela. Sabemos, todos e todas aqueles e aquelas que seguimos o seu percurso, que o projeto europeu, tão abalado, poderia ser radicalmente diferente se mais Marisas houvesse. Pena seja que Portugal conheça tão pouco do que esta mulher excecional fez e faz lá fora.

A Marisa cresceria, disse-lhe naquela tarde, mas não imaginaria quanto. Não fui capaz de discernir o potencial de enorme humanismo que em si carregava, embora soubesse já que era enorme, tão enorme quanto a sua capacidade de sacrifício de si e de envolvimento profundo com as injustiças. Por isso, a Marisa está sempre onde mais ninguém está, desde que saiba que há alguém que precisa, alguém que sofre, alguém que, para a máquina europeia e o aparelho burocrático dos Estados, alguém que na aferição da cidadania e na contagem dos votos, nem sequer existe. Para os outros, essas pessoas não interessam, para a Marisa sim. E de Gaza a Calais, os refugiados, as vítimas de guerra, as vítimas de ataques ambientais, os trucidados pelos poderes que reinam na tal máquina europeia, viram-se acolhidos, reconhecidos, com voz. Marisa atravessava a lama em que os grandes líderes europeus não querem sujar os sapatos, mas em que deixam aquelas pessoas viver, para poder estender-lhes o coração num abraço, numa carícia de mãos. A Marisa é capaz de estabelecer diálogos, colocar pontes, construir conciliações com base num conceito irrecusável de justiça. A Marisa sabe ser inflexível quando esta está em causa.

Não cresce assim, está a anos-luz desta dimensão humana, quem fala de cátedra num qualquer programa televisivo semanal, não saindo do sofá onde empilha livros que descreve pelos resumos das badanas. Não sabe ser político quem não intervém nas causas determinantes do país, como tem feito a Marisa, das questões económicas à defesa do estado social, tomando posições claras com uma indispensável definição ideológica: enquanto mulher de esquerda, enquanto feminista, explicitando, sem dúvidas, que se coloca ao lado de quem precisa. A Marisa reescreveu a noção de poder político por onde ele importa e pelo que devia ser – o envolvimento humano, a justiça social sem ressalvas, o primado absoluto dos direitos, o empenhamento total e sem hesitações, o compromisso inteiro, da inteligência, ao coração, ao esgotamento do corpo e da mente, o sacrifício de si pelos outros. Chamem-lhe ética cristã, se quiserem, se isso importar. Chamem-lhe simplesmente ética. Chamem-lhe política de verdade. Chamem-lhe política, só, porque a outra é a sua negação.

Marisa, mulher de 40 anos, fez destas sementes, que consigo transportava, conquistas que nenhum outro candidato à presidência da República iguala. Que muito poucas pessoas igualam. Pergaminhos académicos tem-nos também, como se estes contassem para alguma coisa. O que mais conta é a esperança que ela nos traz. A esperança que ela conquistou como ninguém e tem levado a tanta gente. A esperança, como dizia acima, na reescrita do que é a política e do que é o poder. O que a Marisa nos diz, em tudo o que é e em tudo o que faz, em Gaza quando brinca com as crianças, com o coração nas mãos, a beleza do seu sorriso embargado, o calor que transmite lutando com as lágrimas; O que a Marisa nos diz, em tudo o que é e em tudo o que faz, esteja ou não esteja presente uma câmara de televisão – daquelas que, aliás, pretendem reduzi-la à banalidade e à mediocridade, daquelas que não sabem lidar com uma mulher que é verdadeira e grande; O que a Marisa nos diz, em tudo o que é e em tudo o que faz, é que cada um e cada uma de nós contamos, temos lugar, podemos! O que a Marisa nos mostra é que podemos, com a esperança, reconquistar a democracia, que o voto pode transformar o mundo. Que não é a política que é suja, mas que têm sido os seus protagonistas a aviltarem-na. A Marisa mostra-nos que a política pode ser a tarefa mais nobre que existe e que o poder, aliado a um humanismo profundo, pode ser exercido para um mundo justo, livre e igual, em que todos e todas sejamos felizes. A Marisa é disto a prova viva. A Marisa é a utopia que desejamos. Imaginemos a política cheia de Marisas. Imaginemo-nos vivendo, todos e todas, ao exemplo da Marisa. Imaginemo-nos, nas nossas vidas, pequenas tornadas grandes, transformando o mundo, como a Marisa. Que mundo pleno, que mundo justo, que mundo feliz teríamos!

Votemos na Marisa pela inspiração que sempre soube ser, pelo exemplo que é, pela beleza humana que exala, pela grandeza de espírito, pela dedicação inigualável, pelo sacrifício de si por causas maiores! Que belo país teremos quando a Marisa for presidente!

Sobre o/a autor(a)

Professora universitária, dirigente do Bloco/Coimbra
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