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A longa história de uma empresa ameaçada

Dadas as condições económicas, que se prolongarão arrasando os planos da TAP, este é, sem dúvida, um dos dossiês mais difíceis do Governo.

Quando fui eleito deputado pela primeira vez, nos finais de 1999, e ocupei um lugar na Comissão de Orçamento e Finanças, encontrei uma das lendas do Parlamento, Lino de Carvalho, do PCP. A sua principal batalha era então a rejeição da venda da TAP à Swissair pelo Governo Guterres. A venda de 35% chegou a ser assinada, se bem me lembro. Mas o dossiê foi destroçado por Lino de Carvalho, que o conhecia melhor do que os membros do Governo. Nem por isso os ministros cederam, mas a realidade impôs-se da forma mais categórica: a Swissair faliu em outubro de 2001 e alguns dos seus responsáveis foram depois julgados por crimes no exercício das funções. Não foi a primeira grande tempestade na TAP.

A solução ‘Tapezinha’

Perante as dificuldades de gestão desta companhia, vários Governos escolheram o mesmo caminho: reduzir e vender. Antes do malogrado negócio com a Swissair, a Comissão Europeia tinha imposto, em 1994, uma drástica reestruturação como condição para um reforço de capital equivalente a €1450 milhões, com o despedimento de 2600 trabalhadores, o congelamento de salários e a anulação de rotas. O Governo Cavaco Silva aprovou o plano e logo depois o novo Governo Guterres continuou a aplicar a posologia. Meia dúzia de anos depois, apareceu a solução da venda à companhia suíça. Em 2015 foi a desastrosa privatização, com a entrada de Neeleman.

Depois destes episódios, e com o boom do turismo, a TAP foi relançada, até ser atropelada pela pandemia. Dadas as condições económicas, que se prolongarão arrasando os planos da empresa, este é, sem dúvida, um dos dossiês mais difíceis do Governo. Além disso, a opinião pública desconfia do financiamento da TAP e os salários de alguns dos seus comandantes criarão espanto. Por tudo isso, uma solução equilibrada e de médio prazo exigiria negociação trabalhosa. Antecipando-o, o ministro garantiu, a 16 de junho, que “os despedimentos não têm que ser inevitáveis. Há várias formas de fazermos uma reestruturação da empresa. O que ela tem é de ser feita com os sindicatos, e há várias formas de fazermos isso. Os sindicatos têm várias sugestões e propostas. É um trabalho que vamos fazer”. Ora, à medida que se conhecem alguns detalhes do plano, e escrevo antes da sua divulgação completa, dado o prazo deste suplemento, vai-se percebendo que estas conversações falharam.

A bomba atómica amansada

Alguns festejam a solução que o Governo parece ter encontrado para este impasse, que é levar ao Parlamento a decisão, o que, aliás, alegou que era inconstitucional e uma “bomba atómica” no caso do Novo Banco. Ora, neste caso trata-se de uma escolha inusitada, que constitui mesmo uma humilhação do Parlamento, pois terá que se limitar a aprovar o que Bruxelas entretanto tiver determinado. Além disso, este expediente ocasional não garante uma solução: das 12 companhias aéreas que passaram por este programa europeu só uma sobreviveu.

Assim, podem desenhar-se cenários possíveis para a votação sobre o plano, e nenhum é bom. Primeiro cenário: encantado com o exemplo de três mil despedimentos e rescisões, mais cortes de salários, o PSD apoia a solução, que apresenta como a norma desempregatícia que garante o deslumbrante futuro de Portugal. Além do mais, é Bruxelas, e a Bruxelas obedece-se. O plano é aprovado, mas não serve para nada para os compromissos de estabilidade que o Governo evoca, dado que é porta aberta para a privatização a breve trecho. No fim do jogo, como no futebol, é sempre a Lufthansa que ganha. Segundo cenário: o Governo não consegue o apoio de nenhum partido e recorre ao argumento do tudo ou nada. À distância, parece tentador, mas é somente um caminho para demissões intempestivas. Talvez haja outro cenário no caso do fracasso de um entendimento na empresa, mas não o descortino.

Tudo ou nada é nada

Ora, se o objetivo desta operação é a radicalização da chantagem ao Parlamento, impondo-lhe uma votação impossível em modo de dramatização, não vejo nenhuma vantagem. Nem resolveria o problema da TAP nem o das divisões dentro do Governo, só agravaria um e outro. E atingiria dois alvos. Em primeiro lugar, e não é pouco, os próprios ministros que querem um Estado estratégico, que ficariam reduzidos a um jogo de resultado incerto e a uma demonstração pantanosa. E, em segundo lugar, o PCP, que na semana passada se aliou ao Governo no Orçamento, em nome do que fez aprovar e do que prometeu que ainda viria. João Oliveira argumentou que os compromissos do seu partido com o Governo permitem “uma resposta mais efetiva aos muitos problemas que a situação” do país coloca e “abrem caminho para que muitos outros não fiquem sem resposta”. Se, uma semana depois, o caminho aberto para que “muitos outros (problemas) não fiquem sem resposta” é um despedimento massivo, corte de salários e o princípio do fim da TAP, tratar-se-ia de uma armadilha.

Artigo publicado no jornal “Expresso” de 11 de dezembro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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