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A linha é recta?

Os tempos que vêm são um teste à fibra de um partido anti-capitalista cuja força é a capacidade de se abrir às esquerdas e aos movimentos que se exprimem na sociedade.

Nos próximos tempos, o Bloco de Esquerda será um bombo da festa. Há quem tenha razões para festejar: dominam o país, venceram as presidenciais e têm maioria para governar. Na disputa pela liderança do campo que apoia o programa do FMI, a direita esmagou o PS. O Bloco teve um mau resultado eleitoral, regressando a patamares de 2005. Ao longo destes anos, fizemos muitos inimigos poderosos. Eles tocam o bombo: quem esperar condescendência dos adversários, faz melhor em sair da luta. Quem toca o bombo não nos impressiona: discutiremos sempre resultados, o nosso trabalho, a forma de desenvolver raízes sociais e movimentos populares para uma alternativa.

O resultado destas eleições reflecte uma brusca mudança de ciclo político. Essa mudança não aconteceu no domingo passado, mas sim no pedido da intervenção externa. Esse pedido criou um consenso em grande parte do país, baseado na mentira mil vezes repetida: estamos na bancarrota, o Estado não tem dinheiro para pagar salários, a intervenção é uma ajuda, o plano de austeridade é inevitável. Este consenso comprimiu o espaço da alternativa: a esquerda fala bem mas não paga a conta a descoberto. A bancarrota é sempre uma chantagem política sobre o povo, essa chantagem não é nova na história e a esquerda paga sempre o seu efeito. O Bloco paga mais porque tem pouco voto "de sempre" (grande parte dos seus eleitores de 2009 tinham votado toda a vida no PS ou no PSD) e tem de conquistar permanentemente o seu espaço político: não garante que aguenta - pode avançar, pode recuar. Somos essa disputa por mais esquerda, para mudar a esquerda.

O Bloco fez uma campanha arriscada porque quis desmontar a mentira. Foi elogiado: a proposta de auditoria e renegociação da dívida impôs-se como centro da nossa campanha, ganhou credibilidade em sectores mais informados e vai ser a política da esquerda nos tempos difíceis que aí estão. Mas essa proposta está ainda longe de ter (e não era possível consegui-lo nas poucas semanas da campanha) a força necessária para ser mobilizadora na sociedade. Está a começar o seu caminho e será cada vez mais importante, porque é a que pode defender a população da bancarrota contra os salários e as pensões.

Neste quadro de fundo, é claro que houve opções controversas e que desagradaram a alguns dos eleitores de 2009 que optaram agora por outras paragens. Como escreveu o Pedro Filipe Soares, o curso da candidatura de Manuel Alegre expôs os riscos de uma opção necessária (não havia outro candidato para enfrentar Cavaco Silva numa segunda volta), e muitos dos que premiaram em 2009 a abertura do Bloco a convergências contra a política liberal, castigaram-no depois, quando Sócrates se veio colar a uma candidatura que tinha de ser autonóma. A moção de censura a José Sócrates quando se previa a escalada da austeridade foi coerente com opções semelhantes feitas pelo Bloco no passado, mas surgiu para muita gente, pela forma da sua apresentação e pelos acontecimentos posteriores, como mera manobra tática. A recusa em simular negociações com o FMI foi talvez o mais grave incidente de percurso do Bloco nos últimos meses, como refere o José Gusmão nesta opinião que partilho. Em algumas destas motivos, houve quem encontrasse justificação para deslocar o seu voto para os partidos da troika. Mas nenhum destes incidentes se sobrepõe à dinâmica de fundo, uma enorme viragem popular à direita, de acordo com o que se passa em toda a Europa e ao ritmo da chantagem da intervenção externa.

Os próximos tempos são portanto um teste à fibra de um partido anti-capitalista cuja força é a capacidade de se abrir às esquerdas e aos movimentos que se exprimem na sociedade. Nos próximos dias, os bloquistas vão encontram-se por todo o país, reuniões locais e assembleias de balanço eleitoral e debate da intervenção futura. A Mesa Nacional, eleita há um mês, reúne-se pela primeira vez dentro de uma semana. Tem um mandato político claro, aprovado na Convenção:

O Bloco rejeita todas as ilusões acerca de uma aliança com “outro PS” que não existe.

O centro da actuação do Bloco é a luta pelos serviços públicos e contra a política da bancarrota. É nesse terreno que se podem procurar alianças e alternativas para a política socialista.

Em toda a sua actividade, o Bloco procurou a convergência com sectores políticos comprometidos com posições anti-liberais. O nosso apoio à candidatura de Manuel Alegre obedeceu a esta política unitária, que rompe com tradições sectárias. Continuamos a precisar da mesma cultura unitária de diálogo, movimento e luta em todas as convergências contra as políticas recessivas.

O Bloco tem limitações organizativas e políticas: a representatividade local das concelhias é desigual, a intervenção na juventude está longe de ocupar o espaço da influência do Bloco, a nossa acção é ainda insuficiente nos movimentos sociais e a criação de uma nova cultura de ideias mobilizadoras à esquerda está no seu início – apesar de ser decisiva para o sucesso ou o insucesso do projecto socialista protagonizado pelo Bloco.

Quem vencer esta meta, que diga se a linha é recta. (José Afonso)

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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