A fazer nove meses de governação, em jeito de prenda natalícia, mais uma história trágico-risível de devaneio da maioria governativa.
Não esperando moral porque esse valor já nada vale. Não apelando à ética porque os fundamentos já em nada se fundamentam. Não invocando decência política porque a obscenidade é descarada e ritmada por pautas de conveniência.
Temos agora a joia do imenso e sucessivo cardápio de disparates políticos de uma governação absolutista, num caso de absoluto absurdo.
A excelsa Alexandra Reis entra para a TAP em 2017 e passa a integrar a Comissão Executiva em 2020. Em fevereiro deste ano é demitida supostamente por incompetência, contenda e/ou incompatibilidade. Como represália, aciona a cláusula de um “ronaldiano” contrato e pede milhão e meio de indemnização a uma empresa em falência técnica com injeção de avultado capital público, diga-se dinheiro de todos nós, num plano de reestruturação de 3.200 milhões €. Com bondade e em modo altruísta, a dita senhora, aceita, como prémio de demérito do exercício de cargo, que lhe caia meio milhão no bolso. Todas as partes (TAP, ex-executiva e Estado) ficam muito satisfeitas por terem alcançado um excelente acordo. No quadro de transferências das galáticas aptidões, em julho, passados 5 meses da proveitosa demissão, é oferecido à eminente executiva, pelo mesmo ministro da tutela e novamente com funções reguladoras para reduzir salários e despedir trabalhadores, a presidência da Navegação Aérea Portuguesa (NAV). Na última remodelação governativa, em dezembro, é nomeada Secretária de Estado do Tesouro com a função de gerir as empresas públicas e participadas que integram o setor empresarial do Estado, na qual estão inseridas as que anteriormente geriu. Mesmo dando o benefício da dúvida, é pelo menos estranho que assim se proceda.
A sublime gestora é mesmo um caso de estudo. Três nomeações políticas em tão curto espaço de tempo, sem a devida apreciação ao trabalho realizado, sem avaliação aos atos praticados e relacionamentos estabelecidos, sem rastreio ao passado do exercício de cargos públicos. Como querem que seja crível que a meteórica ascensão política é aferida pela qualidade do desempenho? Como se reconhece competência a alguém que tem em curriculum profissional público de passagens fugazes e controversas, em jeito de avalanche de polémicas? Como se explica que um governo suportado por uma maioria parlamentar seja capaz de colecionar escândalos a uma cadência tão apressada? Simplesmente porque se sentem imunes a escrutínios e impunes à coação, estando a coberto de uma maioria de absolutismo governativo, traduzido pela manifestação de soberba do 1º ministro, …agora habituem-se!!
Depois da apologia à qualidade do serviço prestado, da honestidade negocial da indemnização no estrito cumprimento da lei, da verticalidade de carácter na ação e na atitude, o resultado é a demissão forçada da secretária de estado por exigência de um ministro, cujo argumento, em nota enviada à comunicação social noite dentro, é dizer que é essencial que o ministério que tutela “permaneça um referencial de estabilidade, de autoridade e de confiança dos cidadãos”.
Pasme-se sobre o que esta afirmação queira dizer e fique-se incrédulo quando o ministro afiança que nada sabia sobre a rescisão de contrato avalizada pelo ministério que tutela. Se não sabia é porque não procurou saber, o que é condenável por omissão perante uma escolha pessoal de alguém para ser seu “braço direito”. Para agravar a estranheza, o anterior ministro também alega desconhecimento dos contornos desse acordo. Então o único responsável político que sabe o que se passa é o demissionário secretário de estado, agora incriminado como avalista-mor da indecorosa indeminização, que para além de política também indicia ser de polícia?
Na continuidade da saga demissionária, pela calada da noite - nova tática de comunicação -, eis que é anunciada a auto-exoneração do ministro de outra tutela com outro peso governativo e com outros objetivos político/partidários. Mesmo sendo uma atitude de prognóstico expectável, tal o número de vezes para acontecer por motivos vários, não deixa de ser um tremor estrutural no governo e no partido que o suporta. Para não variar, também este ministro nada sabia sobre o móbil que despoletou as relações intrincadas da indeminização, aparentemente inexplicáveis ao abrigo do Estatuto de Gestor Público.
Sinceramente, se estão a ocultar conhecimento de factos para desculpabilizar responsabilidades de cargo, é um ato de cobardia política. Mas se estão a ser sinceros admitindo desconhecimento, o caso ainda piora porque evidencia a inenarrável incompetência das tutelas ministeriais, para além da total falta de percetibilidade social de um povo em profunda contração financeira. Onde é que vivem os senhores governantes para acharem normal e compreensível esta bizarria indemnizatória?
Não é com mais ou menos demissões, mesmo com o record absoluto de 11 em 9 meses, que se responde a estes dislates, como se o absurdo estivesse sanado. Não vamos lixiviar o caso retirando solistas para manter a orquestra, mesmo que desafinada, à espera do próximo instrumentista a abandonar a partitura cada vez mais espartilhada.
Faltam explicações e assumir de responsabilidades políticas do primeiro-ministro enquanto chefe do governo. Falta definir um rumo para o país e projetar uma estratégia de desenvolvimento que assente na valorização do trabalho, no aumento dos salários e das pensões, na qualidade dos serviços públicos e na efetiva melhoria das condições de vida da população.
Exige-se que o país tenha decência, que os governantes tenham dignidade e que a democracia impere.