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Jaime, Madeira e Tamen: três ideias diferentes sobre autonomia

Há uma geração jovem que obrigou o país e o mundo a discutir aquilo que os super ricos e os meios de comunicação social entenderam não valorizar. É mesmo de mais autonomia que estes jovens precisam para se fazerem ouvir.

Os últimos dias foram marcados pelas várias ocupações de escolas e faculdades por parte de ativistas estudantes contra as alterações climáticas. As minhas primeiras palavras são de total solidariedade e apoio para com eles e elas. A sua coragem e determinação já deram frutos: conseguiram alertar mais cidadãos para os problemas das alterações climáticas do que qualquer debate enfadonho e despido de futuro como os que marcam as negociações da COP27 no Egipto. Mas as ocupações de escolas e faculdades levaram a reações por parte das suas direções. E aí nem tudo correu bem.

As palavras de Rui Madeira, diretor da Escola Artística António Arroio, foram demasiado assertivas e, talvez por isso, desvalorizadas pelos próprios jornalistas. À pergunta sobre se pretendia chamar as autoridades, o mesmo respondeu: “Eu sou uma autoridade”. O diretor de uma Escola é uma autoridade pública, tem poder para responder em nome da instituição que tutela e é com essa autoridade conferida que se propôs a respeitar os seus estudantes naquilo que entende ser uma reivindicação justa por um mundo melhor. Não se castiga quem procura um mundo melhor.

O papel diplomático de João Jaime, diretor do Liceu Camões, provou que a sua autoridade pode ser negocial e não policial. Ainda durante esta segunda-feira, o diretor deu conhecimento de que, em conjunto com os estudantes em protesto, procura um entendimento de forma a que as suas preocupações não caiam no esquecimento nem sejam silenciadas, ao mesmo tempo que procura um retorno às aulas.

Por sua vez, o Diretor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), após a insistência dos estudantes em manterem o seu protesto dentro das instalações da faculdade que dirige, tomou unilateralmente a decisão de convocar a PSP para arrancar à força os manifestantes.

A memória é um instrumento de disputa de ideias e significados sobre a nossa história. Nas crises académicas de 1962 e 1969, a polícia carregou sobre milhares de estudantes em greve às aulas contra a guerra colonial e o fascismo. Desde a Revolução de 25 de abril 1974 que se construiu, baseada nessa experiência vivida, uma ideia de que na cidade universitária – e precisamente para fazer jus à autonomia – a polícia não atua. Foi assim até há poucos anos, quando o então homónimo de Tamen na Faculdade Direito, do outro lado da rua, decidiu pedir a intervenção da polícia para “manter a ordem”, depois de um conjunto de estudantes exigir mais democracia e transparência à direção da sua instituição. O cenário repete-se e com contornos mais preocupantes, quando percebemos que a PSP entrou nas instalações da FLUL e retirou, à força, os quatro estudantes em protesto.

Todos eles, no pleno exercício das suas funções, usaram da sua condição de autoridade enquanto diretores de uma instituição de ensino. Mas há um mundo que distancia os dois primeiros do último. Nos primeiros dois casos, há um entendimento coletivo sobre o que a autonomia significa para a comunidade escolar e o seu projeto pedagógico. No caso de Tamen, ela serve para o proteger a si e ao seu poder concentrado. A quem serve e quem se serve desta suposta autonomia universitária que castiga em vez de emancipar?

Há uma geração jovem que obrigou o país e o mundo a discutir aquilo que os super ricos e os meios de comunicação social entenderam não valorizar – a agressão de um sistema económico ao planeta e a perspetiva de viver num mundo em destroços. É mesmo de mais autonomia que estes jovens precisam para se fazerem ouvir. Uma autonomia que liberta, não agride.

Artigo publicado no jornal “I” a 17 de novembro de 2022

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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