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Irracionalidade na segurança das praias

A segurança das praias portuguesas deve ser vista como coisa pública e a ser garantida pelo Estado e não apenas objeto de lúbricas e ligeiras reportagens mediáticas, em época estival.

Exemplifiquemos com a Meia Praia, celebrizada pela canção de Zeca Afonso sobre os seus “índios”. São cinco quilómetros de areal e oito concessões, que ocupam os três quilómetros a poente. Nove concessões equivalem a nove postos de vigilância com nadadores-salvadores, alguns a cem metros uns dos outros, mas no entanto, uma extensão de dois quilómetros é terra de ninguém, onde os banhistas estão sujeitos a maior perigosidade, por falta de socorro ou maior lentidão no mesmo.

Façamos aritmética: cinco quilómetros a dividir por nove postos de vigilância dá 555 metros (500, para simplificar). Uma primeira solução racional seria distribuir os postos pelo total da extensão da praia, com 500 metros de separação entre cada um. No entanto, pode alegar-se que os banhistas se concentram mais numa área que noutra, pelo que pode diminuir-se o espaçamento nessa área, mas sem prejuízo de garantir a cobertura total. Esta contabilidade de segurança não ocorre porque a segurança balnear vive na Idade Média. O Estado demite-se de assumir diretamente a garantia da segurança pública e entrega-a a privados, sem critério e com pouca capacidade de controlo.

Imagine que as ruas das nossas cidades eram policiadas com o mesmo critério: os bancos tinham a concessão da segurança e só havia polícias na imediação de instituições financeiras. Onde houvesse concessão havia segurança, onde não existisse… paciência. Uma ficção sem qualquer sentido, mas que é a realidade das praias portuguesas. Não seria de instituir a segurança das praias na orgânica da autoridade marítima? Não deveria haver um corpo mínimo e permanente de nadadores-salvadores que garantissem a segurança da costa e zonas balneares independentemente da época do ano, podendo o número destes triplicar na época de maior afluência às praias?

A economia azul ou do mar não pode ser um crachá na lapela dos altos magistrados na nação, para usar em dia de discurso pomposo. A nossa costa não pode estar quase exclusivamente na dependência da marinha de guerra, até em violação da Constituição. Os atos de gestão policial e de segurança têm que ser corporizados pela Polícia Marítima e os de salvamento e resgate por um corpo coerente e público que não dependa de privados, subordinado ou não a essa autoridade marítima. Se os privados devem contribuir diretamente para a segurança das praias em época balnear? Sim, mas não devem ser eles a gerir o sistema. A própria contribuição desses restaurantes e cafés pode diminuir se for alargada a base de financiamento. É possível, pois basta estabelecer que qualquer estabelecimento comercial a duzentos metros, por exemplo, de uma área balnear é beneficiário direto da mesma e deve cooperar. Ressalvo, com toda a clareza, que isto só pode acontecer se as contribuições se reduzirem drasticamente, para que uma taxa não se transforme em confisco. Assim, através de estudos ponderados, as praias poderiam ter os nadadores salvadores que realmente necessitam: os nove da Meia Praia poderiam ser doze, e os quinze de outra qualquer praia poderiam ser dez. Uma contabilidade realista e não economicista.

A segurança das praias portuguesas deve ser vista como coisa pública e a ser garantida pelo Estado e não apenas objeto de lúbricas e ligeiras reportagens mediáticas, em época estival. A segurança deve obedecer a critérios objetivos de concentração de usuários, períodos de uso, perigosidade, etc., e não pela existência de comes-e-bebes nas imediações. Certo?!

Sobre o/a autor(a)

Professor de História. Membro da Assembleia Municipal de Lagoa eleito pelo Bloco de Esquerda
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