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Homenagem ao SNS

Há três meses, vivíamos o início de um episódio dramático, que ficará para sempre na história do nosso país. Após o SNS provar que esteve à altura do desafio, entrega-se a gestão de hospitais públicos aos grupos económicos que fecharam portas durante a pandemia.

Há três meses, vivíamos o início de um episódio dramático, que ficará para sempre na história do nosso país. Enfrentámos um inimigo invisível, e o herói foi o Serviço Nacional de Saúde. Três meses depois, após o SNS provar que esteve à altura do desafio, entrega-se a gestão de hospitais públicos aos grupos económicos que fecharam portas durante a pandemia. A par disso, não foram renovados os contratos dos profissionais de saúde que foram contratados durante o pico do surto. Os 860 milhões de euros entregues a uma nova PPP em Cascais são uma carta de boas-vindas aos privados, que viram, através de um decreto-lei, a porta aberta para mais PPP. São decisões tomadas ao arrepio da nova Lei de Bases da Saúde. Uma lógica do capitalismo do lucro fácil, que transforma direitos humanos em negócio. É este o modelo que, ao mesmo tempo que trava não só o investimento no SNS, impede a valorização dos profissionais de saúde, que para ele trabalham e lutam diariamente para o erguer.

Os 860 milhões de euros entregues a uma nova PPP em Cascais são uma carta de boas-vindas aos privados, que viram, através de um decreto-lei, a porta aberta para mais PPP

E é deste desprezo contra os profissionais de saúde, a desvalorização e a degradação do SNS, que surge a valorização exacerbada do sistema neoliberal que entrega tudo ao privado. O discurso da “liberdade de escolha”, que fez caminho nas políticas públicas dos últimos trinta anos, serviu para financiar o negócio privado, ao qual já acediam as classes mais privilegiadas – mas agora com a possibilidade de pagar menos, e os mais pobres receberam, nas suas mãos, um SNS mais frágil e com menos valências.

É urgente discutir politicamente esta relação binária entre o público e o privado. Nos últimos anos, onde o privado foi valorizado, o público perdeu valências. E, com isto, não foi só o SNS que perdeu. Fomos todos que perdemos. Uma das maiores realizações da revolução de abril tem sido degradada e desprezada. O preconceito contra o Estado todo poderoso está a engolir um serviço que efetiva direitos humanos. Quando, depois de uma pandemia, não se altera a visão estratégica sobre a saúde em Portugal e se premeia quem virou as costas ao país, é preciso um levantamento dos profissionais e da população que contraponha aquilo que já parecer se ter tornado numa “nova normalidade” na gestão dos dinheiros públicos.

Por isso, é tão importante sensibilizar a população para a luta laboral dos profissionais de saúde junto da população. Elas acontecem, não contra o SNS, mas a seu favor. Compreendê-la na arena dos direitos laborais não invalida que façamos uma leitura mais ampla sobre o impacto positivo que tem a existência de carreiras que protejam quem nos protege. A Democracia, que não é somente um enunciado de direitos tem a proteção no emprego uma das duas peças fundamentais. É nosso dever nos aliarmos às pautas dessa ideia de Democracia, que valoriza quem vive do seu trabalho e dá, todos os dias, corpo à missão de serviço público. E que é o nosso dever dentro dos nossos espaços ceder voz e dar espaço à luta pela valorização dos profissionais de saúde, não só com condecorações ou salvas de palmas, mas sim com carreiras dignas e salários justos, lutar por um SNS melhor. As nossas lutas não se podem tornar nem segmentárias nem dissidentes. Só é possível um melhor SNS se quem o faz acontecer todos os dias for, do mesmo modo, apoiado.

Sobre o/a autor(a)

Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica
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